La agenda del MST
Archivo del Autor: paco
Impacto dos assentamentos. Um estudo do meio rural Brasileiro
SergioLeite, Beatriz Heredia, Leonilde Medeiros, Mohazir Palmeira yRosángela Cintrao.
Unesp. 2004
Conflictos no campo, Brasil 2003
Comisiónpastoral de la Tierra. 2004
Pedagogía do Movimento Sem Terra
RoseliSalete Caldart.
Expresión Popular. 2004
A história da luta pela terra e o MST
MitsueMorissawa.
Expresión Popular. 2001
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ºAquí yo pondría un pequeño resumen de libro, yo qué sé, que si va de esto o lo otro, quepresenta una visión global bastante clarita de cómo funciona el carterdel todoterreno y la junta de la trócola del director, algo asísimplicito pero que de ganas de leer el tocho este que les estamos metiendo. |
Salvador (fotografía)









Reportaje fotográfico de nuestro querido compañero Xoan.
Muchas gracias y un gran abrazo.
A Marcha de um Povo (fotografía)
Agradeciendo a Robson Oliveira su maravilloso trabajo












O MST é um movimento autônomo?
Folha de S. Paulo, 23.5.2005, Opinião
O MST é um movimento autônomo?
SIM
Um movimento contra a escravidão
JOSÉ ARBEX JR.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, comemora a sua
maioridade (21 anos) com honra, pompa e circunstância. A marcha sobre
Brasília demonstra, "urbi et orbi", a sua independência frente ao governo
federal, a sua vitalidade como movimento social e o seu compromisso
inarredável de lutar pela reforma agrária.
Não é pouco, especialmente quando políticos e intelectuais até ontem
comprometidos com a luta pela transformação social, hoje, acometidos por
providencial amnésia, negociam sem pudor os próprios princípios no bazar de
cargos e "oportunidades de mercado".
Não pertenço ao MST, não o represento nem tenho procuração para falar pelo
movimento. Mas, como cidadão a ele vinculado por laços de solidariedade,
sinto-me orgulhoso de sua luta, que é histórica em pelo menos dois sentidos.
Primeiro, por ter como objetivo completar a tarefa de abolir a escravidão:
a dos pobres ao capital e a da terra ao latifúndio. Se há um denominador
comum a cinco séculos de Brasil, é o fato de que a maioria pobre nunca teve
acesso à terra. A infâmia do latifúndio marca a história com o látego do
senhor de escravos: até 1850 a terra era monopólio da Coroa; depois, foi
dividida entre a nobreza, os capitalistas brancos europeus e quem mais
pudesse pagar; no século 20, foi invadida e grilada por coronéis e empresas
internacionais; e agora é entregue à sanha do "moderno" agronegócio,
aliança entre fazendeiros e meia dúzia de transnacionais que dominam a
agricultura brasileira.
Nunca a terra pertenceu ao negro alforriado, ao mestiço miserável, ao
branco marginalizado. O latifúndio, produtivo ou não, é sinônimo de atraso,
por criar desigualdade, concentração de renda, fome -ou "subnutrição", como
preferem alguns de nossos doutores-, êxodo rural e tudo o que ele implica
de nefasto. Pois bem, o MST quer abolir o latifúndio, como condição
indispensável para resolver o problema da pobreza e da desigualdade, e
impulsionar uma transformação social de grandes proporções.
Não, caro leitor, não é o comunismo. As grandes potências capitalistas do
planeta -a começar dos Estados Unidos e França- promoveram a distribuição
de terra e investiram no trabalho livre. Aliás, por isso se transformaram
em potências.
Segundo, a luta do MST é histórica por estar fazendo história. Nunca um
movimento de camponeses organizado em escala nacional durou tanto nem criou
tantos vínculos capilares com a sociedade civil. A elite sempre foi
eficiente quando se tratou de isolar e dizimar os movimentos populares
(basta lembrar Palmares, Canudos, as ligas camponesas, a Ultab, o Master e
tantos outros).
O MST sobrevive com a teimosia e o atrevimento de quem sabe que a sua luta
tem dimensão épica, faz parte da batalha mais geral pela emancipação
nacional. Por isso, mantém alianças com o conjunto de movimentos sociais,
organizações de trabalhadores, sindicais, populares e intelectuais que não
abandonaram a perspectiva de fazer do Brasil um país soberano.
Graças ao serviço de permanente desinformação praticado pela mídia, poucos
sabem que o MST mantém 1.300 escolas de ensino fundamental e emprega 3.000
educadores que cuidam de 160 mil crianças e adolescentes. Por meio do
convênio Brasil Alfabetizado, acertado com o MEC, cerca de 30 mil adultos
foram alfabetizados, com o auxílio de 2.000 educadores populares
voluntários. Outros 300 educadores trabalham com crianças de até seis anos
nas "cirandas infantis", que funcionam nos assentamentos e acampamentos.
Esse trabalho mereceu o Prêmio Unesco de Excelência Pedagógica.
Em janeiro passado, o MST inaugurou a primeira universidade popular do
Brasil, em Guararema, a 60 km de São Paulo -para horror de certos doutores
preconceituosos, incapazes de aceitar a idéia de que o "populacho" possa
organizar um centro produtor de conhecimento de alto nível e rigor
científico. A sua sede foi construída com trabalho voluntário e com
dinheiro oriundo de contribuições de organizações, artistas e intelectuais
brasileiros e estrangeiros (incluindo Sebastião Salgado, Chico Buarque e
José Saramago). Não por acaso, a universidade foi batizada com o nome de
Florestan Fernandes e saudada, no dia de sua inauguração, por Antonio Candido.
O MST, mundialmente reconhecido, respeitado e admirado, só conseguiu
realizar tanto por ser autônomo em relação aos partidos políticos e a
quaisquer outras instituições estranhas aos assentamentos e acampamentos
que constituem a sua base e a sua vida. Não se submete, portanto, ao jogo
de alianças, acordos espúrios, conveniências eleitorais, cálculos e táticas
arquitetado nos gabinetes obscuros dos palácios. O MST só não é autônomo em
relação ao conjunto da nação oprimida. Ao contrário: a ela, somente,
subordina-se e atrela o seu destino.
Senhores da terra, é muito fácil acabar com o MST. Basta realizar a reforma
agrária.
———-
José Arbex Jr., 47, jornalista, doutor em história pela USP, é editor
especial da revista "Caros Amigos" e autor de "Showrnalismo – a Notícia
como Espetáculo" (editora Casa Amarela).
@ – arbex@uol.com.br
Nao – A dependência oculta
JOSÉ DE SOUZA MARTINS
O MST não é uma organização política autônoma nem é um movimento social que
disponha, por isso, da independência própria dessa forma de manifestação
das demandas sociais. Mas é uma importante expressão do que vem se tornando
a política na modernidade anômala dos países de grandes desencontros entre
o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, como o Brasil.
Países em que populações retardatárias da história emergem nas brechas do
sistema político e apresentam, de forma ritualmente tradicionalista, suas
demandas sociais aparentemente extemporâneas. Estamos em face da realidade
política de populações que tentam fazer um acerto de contas com a história.
Justamente porque sua data histórica sugere que suas demandas são demandas
atrasadas e fora de época é que a organização assume a aparência de uma
autonomia que não é real. De modo que, mesmo com seus aliados mais
importantes, de cujas organizações são, hoje, suportes fundamentais, como o
PT e a igreja, pode manter uma relação de estranhamento crítico que se
manifesta em cobranças, como essas da marcha do MST sobre Brasília. Mas,
chegam lá, o presidente veste o boné mais uma vez e os ministros dizem que
já está tudo certo e arranjado. A reivindicação oculta da marcha atendeu a
uma necessidade do governo: dar visibilidade para os seus êxitos, ainda que
limitados, na questão agrária, muito aquém do anunciado. Sobretudo mostrar
um governo aberto às reivindicações camponesas.
O MST é certamente uma organização constitutiva do Partido dos
Trabalhadores, uma base do partido. Sem a Pastoral da Terra -da qual o MST
se origina- e sem o MST, dificilmente o PT teria se expandido tão
extensamente no interior e dificilmente se tornaria o único partido
brasileiro com uma ampla base rural e popular. Em termos da extensão
territorial de sua presença, o PT é muito mais um partido rural do que um
partido operário.
Quando, na campanha eleitoral de Lula à Presidência, essa organização
decidiu refrear suas manifestações e as ocupações de terra, fê-lo
exatamente para não prejudicar a candidatura petista, para não a carimbar
com nenhum timbre de radicalismo. O calendário das agitações no campo
regulado pelo calendário eleitoral, não só nesse caso, tem sido uma boa
indicação do vínculo partidário da organização.
O MST é também uma das principais e mais interessantes expressões políticas
do catolicismo pós-conciliar na América Latina. Ele se constituiu a partir
de quadros das pastorais sociais. Foi quando começou a ficar evidente que
mesmo os bispos chamados progressistas tinham limites claros para se
envolverem na pastoral de suplência que resultou do profundo compromisso da
Igreja Católica com os trabalhadores rurais. Era o cenário histórico da
ditadura militar, da violência genocida e da violação radical da própria
condição humana, sobretudo na chamada Amazônia Legal, mais da metade do
território brasileiro.
A busca de alternativas e o posicionamento político dos agentes de pastoral
envolvidos na arregimentação e no protesto das vítimas pediu também uma
opção política radical. Esse era o limite dos bispos com o fim da ditadura.
O canal de expressão dessa mobilização camponesa teria que ser outro. O
nascimento do MST foi o meio de fazer fluir para o âmbito próprio da
política o que já não tinha condições de se organizar e expressar
plenamente no âmbito da igreja.
O MST se tornou de vários modos expressão do catolicismo militante, pelo
apoio moral, logístico e material. Importou da igreja formas litúrgicas de
manifestações de massa, expressões ampliadas das romarias da terra,
variantes políticas das procissões religiosas. O MST não se move apenas com
base em ideologia política, mas sobretudo com base na mística milenarista
de um tempo de redenção dos pobres e oprimidos.
Porém a principal herança que o MST recebeu da igreja, e seguramente a mais
interessante, é a da grande tradição do pensamento conservador, aquele modo
de pensar o mundo que, no século 19, opôs-se ao liberalismo da revolução do
século 18, como mostrou Robert Nisbet. No lugar do indivíduo fragmentário,
a concepção de pessoa; no lugar da sociedade da sociabilidade abstrata e
interesseira, a comunidade da sociabilidade solidária e afetiva. Os valores
que norteiam o MST vêm desse estoque de idéias conservadoras: a propriedade
da terra, o trabalho comunitário, a religião, a família, a comunidade. De
fato, ele está muito longe do marxismo. E muito longe da independência: o
MST até hoje não tem uma compreensão objetiva de seu lugar na história,
justamente porque não tem autonomia.
Falta Coragem. Entrevista João Pedro Stédile
Correio Braziliense, 23.5.2005, Brasil
O líder do MST diz que a marcha deu resultados e critica o governo por não
dar prioridade ao social
André Carravilla
Da equipe do Correio
João Pedro Stedile marchou em silêncio. Mochila nas costas, chinelo de
dedos e boné na cabeça, o economista pós-graduado no México misturou-se aos
12 mil sem-terra na caminhada até Brasília, que terminou na quarta-feira da
semana passada. Alegando que cada um tinha sua função _ e a dele não era
falar _ recusou-se a dar entrevistas à imprensa. Quando quebrou o silêncio,
o gaúcho de Lagoa Vermelha foi polêmico: _Vamos dar um pau no Palocci_,
disse, sobre a atuação dos economistas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) em um possível encontro com o ministro da Fazenda.
Dois dias depois do fim da marcha, Stedile concedeu, por e-mail, esta
entrevista ao Correio. Aqui, ele diz que as ocupações a propriedades são a
forma mais eficaz de acelerar a reforma agrária e cobra mais investimentos
do governo. _O Ministério da Fazenda corta apenas os gastos sociais, mas
não corta os juros_, reclama. Também afirma que a imprensa brasileira é
preconceituosa com os sem-terra e critica o ministro da Agricultura,
Roberto Rodrigues: _Ele se comporta muito mais como presidente do sindicato
do agronegócio do que como um ministro de Estado_. A seguir, os principais
trechos da entrevista.
CORREIO BRAZILIENSE _ A marcha mostrou resultados?
JOÃO PEDRO STEDILE _ A marcha tinha como objetivos fazer com que a reforma
agrária voltasse a ser debatida pela opinião pública, debater com a
sociedade a natureza dos problemas brasileiros e a necessidade de se mudar
a política econômica. Também buscávamos resolver os problemas imediatos do
atraso da reforma agrária nos estados e levar o governo federal a
implementar medidas estruturantes. Na nossa avaliação, todos esses
objetivos foram alcançados. Portanto, apesar do sacrifício das pessoas que
participaram, foi um sucesso absoluto. Demonstrou que existem energias na
sociedade brasileira que podem ser usadas para construirmos um projeto de
desenvolvimento para o país.
CORREIO _ Qual a sua avaliação sobre a violência registrada no último dia
da marcha?
STEDILE _ O MST sempre teve um bom relacionamento com a Polícia Militar do
Distrito Federal. Já disputamos com eles até partidas de futebol. Mas temos
consciência que há setores dentro da polícia do GDF que são manipulados
pela direita e pelos conservadores. Esses setores, que envergonham a
polícia, ficaram todo tempo provocando um clima de tensão, para gerar algum
conflito que pudesse tirar o sucesso da chegada da marcha, pelo menos na
imprensa. E, infelizmente, conseguiram. Nós nos iludimos com as boas
relações que fizemos com o comando e subestimamos a capacidade desses
setores nos aprontarem alguma. E aprontaram. O episódio foi claramente
provocado. No ato, viu-se que um carro da polícia civil tentou passar pelo
meio da multidão, embora não tivesse nada que fazer lá. Dai, alguns punks e
sectários agrediram o carro. Imediatamente, a polícia reagiu contra toda
multidão. Impressionante a rapidez com que a cavalaria estava a postos. Deu
a impressão de que estavam esperando para agredir a todos. Em seguida, o
helicóptero fez vôos rasantes e aumentou o clima de tensão.
CORREIO _ O caminhão de som não estimulou os manifestantes a vaiar a
polícia montada?
STEDILE _ Não somos idiotas. Nunca pregamos o confronto com a polícia como
forma de resolver problemas. O objetivo das manifestações do MST é
pressionar para resolver os problemas do país. Os jornalistas são
testemunhas que os carros de som orientaram para evitar as provocações dos
policiais e dos punks. O episódio revela que setores da polícia deveriam
voltar à escola e terem um pouco mais de dignidade com o tratamento do povo.
CORREIO _ O acordo com o governo não falha ao apresentar uma lista de
promessas sem indicar a fonte de recursos?
STEDILE _ Dinheiro não falta, o que falta é dar prioridade à área social.
De onde virão os recursos, isso é uma questão técnica, menor. Isso é com os
burocratas do governo. Mas posso garantir que o governo recolhe muitos
recursos públicos de impostos. No entanto, infelizmente, a prioridade é
apenas pagar juros e atender os compromissos com as elites. Esperamos que o
governo honre com os compromissos assumidos e assinados publicamente. Nós
fizemos um acordo político com o governo, que reconheceu estar em dívida
com os sem-terra e com o povo brasileiro. O governo não vinha cumprindo a
meta de assentamento. Também não cumpria suas obrigações nos acampamentos e
assentamentos.
CORREIO _ O governo não deveria ter dito qual será o valor do projeto de
suplementação orçamentária que enviará ao Congresso até o dia 31 de maio ?
STEDILE _ Não. O que queremos é que o governo recomponha o Orçamento da
União já aprovado pelo Congresso, que previa os R$ 3,7 bilhões para reforma
agrária. O que precisa apenas é descontigenciar todos os recursos que são
para área social.
CORREIO _ Qual sua avaliação da cobertura da imprensa sobre o acordo?
STEDILE _ O Ministério da Fazenda corta apenas os gastos sociais, mas não
corta os juros. No mesmo dia do final da marcha, o Banco Central aumentou
os juros de 19,5% para 19,75%. Isso vai aumentar os custos do governo ate o
final do ano em R$ 900 milhões só em juros. Mas nenhum jornal perguntou se
o governo iria enviar medida para suplementação orçamentária para os
bancos. Os jornais e seus proprietários sempre são críticos ao governo
quando quer fazer gastos sociais, mas ficam calados quando aumentam os
gastos com bancos e a transferência de lucros.
CORREIO _ E a posição do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, em
relação aos critérios de produtividade?
STEDILE _ Temos ouvido dentro do governo de que o ministro da Agricultura
se comporta muito mais como presidente do sindicato do agronegócio do que
como um ministro de Estado. Sua prioridade deveria ser o desenvolvimento de
todo país e de todo povo. Ele precisa de umas aulinhas sobre o que diz a
Constituição a respeito do papel de um ministro. Estão fazendo um cavalo de
batalha com os índices de produtividade como se fosse uma agressão ao
latifúndio. Ora, convenhamos, não é o agronegócio que se orgulha de ter
mudado a agricultura brasileira. Dizem ter modernizado e sustentado o país.
Pois bem, os índices utilizados pelo Incra são de 1975. A intenção é
atualizar os indicadores. Usar os dados levantados pelo IBGE em 1995. Isso
representa dez anos de atraso. Mesmo assim, reclamam. Reclamam, porque
querem manter o latifúndio intocável. Mas a Constituição é clara: toda a
grande propriedade, acima de 1.500 hectares, que não produzir e não cumprir
sua função social, deve ser desapropriada pelo Estado, em nome da
sociedade. O que está faltando é um pouco mais de coragem ao governo para
fazer as mudanças necessárias. Na teoria, todo o governo é a favor de
combater a pobreza e a desigualdade, mas cada vez que alguém apresenta
propostas concretas que afetam a concentração de terra e riqueza, não deixam.
CORREIO _ O senhor afirmou aos militantes que _aumentem a consciência e
intensifiquem as invasões_. Isso não gera mais violência?
STEDILE _ Ao contrário. Quis dizer no discurso justamente que nossa
militância precisa estudar mais, compreender a conjuntura política, a luta
de classes. Isso significa conhecimento, consciência da realidade, para não
cair nas provocações baratas de policiais ou de setores conservadores. E,
portanto, evitar a violência, evitar confrontos. Em geral, as pessoas de
menor consciência é que caem mais fácil nas provocações. Nosso remédio
contra a violência é o estudo, o conhecimento.
CORREIO _ As invasões são mesmo necessárias ?
STEDILE _ Veja como vocês são preconceituosos. Sempre falamos ocupações,
porque é bem diferente de invasão. Invasão é um ato de apropriação indébita
de um bem para aproveitamento privado, particular. É o que fazem os
fazendeiros quando invadem terra pública e terra de índios, para seu uso e
enriquecimento pessoal. Ocupação é uma mobilização de massa, que entra numa
área, para pressionar o governo a aplicar a lei, a desapropriá-la. Esses
conceitos estão na sociologia política e estão num acordo do próprio STJ
(Superior Tribunal de Justiça). Mas vocês, jornalistas, insistem em usar
mal as palavras, o que leva a preconceitos. Sempre defendemos, desde o
inicio, há 21 anos, as ocupações massivas realizadas pelos pobres do campo.
Infelizmente é a única forma eficaz de pressionar o governo para aplicar a
lei. Foi a forma usada por todas as famílias que hoje estão assentadas.
Nenhuma recebeu por benesse de algum político ou iniciativa do governo.
Todas elas tiveram que se organizar, lutar e ocupar a terra para então o
Estado agir.
CORREIO _ O senhor tinha a expectativa de que, no governo Lula, as invasões
diminuíssem?
STEDILE _ Claro. Nós organizamos ocupações, não porque gostamos, porque
seja um passeio, um piquenique, nós só organizamos ocupações porque o
Estado não funciona. O Estado brasileiro está organizado apenas para manter
os privilégios dos ricos. Sempre chega tarde para atender os pobres. Nenhum
pobre gosta de ficar na fila do INSS de madrugada. Lula tinha como
prioridade a reforma agrária, nós acreditávamos que as ocupações
diminuiriam. Certa ocasião, em reunião com os ministros, o presidente Lula
disse que suas duas prioridades máximas eram o combate à fome e a reforma
agrária. Se ele de fato conseguisse que o Ministério da Fazenda pensasse
assim também, certamente as ocupações, os conflitos sociais no campo
diminuíriam.
Análise de Conjuntura. Ponto de vista da Igreja Brasilera.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
Conselho Episcopal de Pastoral _ 14ª Reunião
Brasília – DF, 10 a 12 de maio de 2005
Análise de Conjuntura / Maio 2005
Não é documento oficial da CNBB
Apresentação
Esta Análise tem como focos a situação política do governo Lula após a eleição
da Mesa diretora da Câmara, o impasse dos movimentos sociais em confronto com a
política econômica, e dentro das relações internacionais, a instabilidade na
América Latina. Na conclusão, destaca-se a apreciação de projetos aprovados ou
em discussão no congresso.
1. Desalento político em tempos severinos.
A eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara dos Deputados
antecipa a campanha eleitoral de 2006. Os setores sociais representados pelo
PSDB, PFL e parte do PMDB viram-se ameaçados pelo candidato governista Eduardo
Greenhalgh, cuja biografia de militância nos movimentos sociais e apoio ao MST,
sinalizava para uma Câmara mais comprometida com a necessária transformação
social no país. Diante desta ameaça aos _donos do poder_, estes se articularam
e, tirando proveito da divisão na base governista, impuseram uma importante
derrota ao Governo Lula. A eleição da Mesa Diretora da Câmara de Deputados
sinaliza que está em vigor a tática "do quanto pior, melhor".
Na posição de Presidente da Câmara, Severino Cavalcanti pode criar muitos
obstáculos à tramitação de projetos originários do Executivo. Sua oposição
dissimulada "amarra" o Governo, que deverá "pagar caro" cada aprovação de
proposições que lhe interessem. Imobiliza-se, assim, o governo Lula nos dois
anos em que ele poderia assegurar sua reeleição. Com Lula enfraquecido, os
_donos do poder_, embora satisfeitos com a manutenção da política econômica,
poderão buscar outro nome para a Presidência da República.
Todavia, os deputados que elegeram Severino não contavam com a reação da
sociedade brasileira. A avalanche de mensagens eletrônicas contra a proposta de
aumento salarial para os deputados federais e até mesmo o dia de luto como forma
de protesto, demonstram que a sociedade brasileira não vai assistir apática ao
que acontece no Congresso Nacional.
À luz desses acontecimentos, a derrota do PT na Câmara traz de volta a questão
que por muito tempo o próprio partido se fez: _Para chegar ao poder, não se
deve antes organizar a sociedade?_ A via eleitoral foi escolhida para abrir
espaços de organização política do povo, sendo as campanhas eleitorais uma
forma de educação política. Ao priorizar a vitória eleitoral, o PT conquistou a
Presidência da República, mas, como disse Lula, não conquistou o poder. Com o
passar do tempo, vai perdendo autonomia de ação, refém de acordos e alianças
que impediram a prevista reforma ministerial e acabaram trazendo para o
Ministério da Previdência um senador suspeito de corrupção.
Tudo isso provoca desalento e descrença nas instituições políticas. Neste clima,
a mídia, instrumentalizada e dominada pelas oligarquias nacionais, tudo faz para
jogar na vala comum as instituições políticas que _ bem ou mal _ garantem a
democracia. Toda mobilização social é desincentivada, enquanto a _baixaria_ só
faz aumentar. As oligarquias brasileiras, que sempre colocaram os poderes
públicos a seu serviço _ como se o legislativo, o executivo e o judiciário não
fossem mais que postos onde alocam seus subordinados (o Brasil já foi definido
como um _Estado cartorial_), desfrutam de uma enorme autonomia e organizam-se
de modo corporativo. A cultura patrimonialista que legitima a apropriação
indevida pelas elites dos orçamentos e dos bens públicos, torna _normal_ o
funcionamento do sistema político a base de nepotismo, clientelismo, políticas
de favores e outras formas patológicas do exercício do poder, que se aparentam
aos processos de corrupção.
Exemplo desse poder oligárquico é o avanço do agronegócio na Amazônia. O
desmatamento, que foi de 20 milhões de Ha por ano entre 2001-2003, passou a 23
milhões em 2003-2004, dado que provavelmente vai repetir-se este ano. Não se
trata apenas de uma devastação ecológica (no ritmo atual, a floresta
desaparecerá em 25 anos), mas de um avanço do capitalismo, no qual madeireiros,
carvoeiros, pecuaristas e plantadores de soja aquecem o mercado de terras, hoje
negociadas até por internet. Sob o olhar impotente ou complacente do Estado, a
_terra de negócio_ vai tomando o lugar da _terra de trabalho_ dos pobres.
Seguros do seu poder, os realmente ricos sabem que só uma forte organização
popular, vinda das bases, será capaz de quebrar esse secular sistema de
dominação, e tudo fazem para impedir essa organização, ou, quando não o
conseguem, para cooptar seus líderes. Aqui situa-se o desafio do renascimento
dos movimentos sociais.
2. O Renascimento da sociedade civil e o impasse econômico
A experiência dos movimentos sociais, ao longo dos últimos 50 anos, ensina que
somente a pressão política, social ou moral pode conquistar melhorias na sua
vida cotidiana. Desde o fim do _populismo_ varguista, quando algumas concessões
foram feitas antes mesmo que houvesse reivindicações massivas, eles aprenderam,
pela experiência de acertos e erros, que as conquistas sociais e econômicas não
são uma benevolência dos poderosos, mas concessões que eles se vêem obrigados a
fazer para se manterem no poder.
Apesar da propaganda oficial exaltar os valores do nosso povo, a prática do
governo Lula não tem valorizado a capacidade de mobilização do povo, que
esperava ser seu parceiro no projeto de mudanças. Sua prioridade política tem
sido a articulação parlamentar no âmbito do Congresso. Dadas as limitações da
democracia representativa em nosso país (a reforma política, como veremos
adiante, está emperrada) seu diálogo com a sociedade civil é restrito a fóruns,
conselhos e conferências, onde o governo mais fala do que escuta .
Isso fica evidente no que se refere à Reforma Agrária e à Agricultura Familiar.
Os movimentos sociais organizados têm consciência de que as reivindicações
populares só poderão ser atendidas quando for mudado o rumo da política
econômica, até hoje a serviço do grande capital, como mostra, com fina ironia,
o texto seguinte.
Do pau-brasil à soja: um milagre econômico às avessas
Quando da independência das Treze Colônias da Nova Inglaterra, o deputado
liberal da velha, Adam Smith (o pai Adam de todos os economistas) observou aos
pares que a perda não era trágica. Ruim seria Londres perder suas ilhas das
Caraíbas.
O Brasil tem contado com o aplauso da finança internacional por se haver tornado
uma Jamaica semicontinental atualizada. De maneira moderna, a relação externa
aprofunda progressivamente sua hegemonia sobre nossa economia e política
econômica.
Nos tempos coloniais, quando o açúcar fazia Pernambuco e Paraíba terem renda per
caput mais alta que a daqueles pobres e atrasados ianques, a _lógica_ era a da
vantagem comparativa. Hoje, é a da _integração realista e dinâmica na
globalização_ (a mesma, formulada mais sofisticadamente).
A taxa de juros continua subindo (sob pretexto de conter a inflação). Tornar o
Brasil atraente para _o mercado_ é o que se quer. O sucesso no fluxo financeiro
faz com que o dólar cujo valor real (em termos de mercadorias) seria ao redor de
R$ 3,20, esteja a menos de R$ 2,60 no mercado, tornando mais difícil a
exportação de produtos industriais brasileiros, porque encarecidos em moeda
externa.
Talvez o principal seja a opção preferencial pelo agronegócio. A cana de outrora
é soja no século XXI. Há que exportar a todo o custo e no item grãos para
alimento (sobretudo animal) o Brasil tem vantagem comparativa.
Preocupações ecológicas são atropeladas na urgência de decisões sobre
transgênicos. A floresta amazônica está sendo devastada. A prioridade à
propriedade familiar voltada para o mercado interno que se esboçava no apoio
técnico e financeiro do governo, é interrompida como _ideológica_. A direção da
EMBRAPA, que orientava as pesquisas para o apoio à pequena unidade agrícola, era
_ideológica_. _Técnico_, _pragmático_ é o serviço da EMBRAPA ao agronegócio, que
vai bem e tem sido aplaudido pelos credores.
Neste contexto, perde sentido falar da Reforma Agrária, ainda mais _ideológica_
que o apoio técnico da EMBRAPA à pequena propriedade. Por que razão _desviar_
da exportação terras que ela pode vir a usar?
Na medida em que se difunde a consciência de que o atendimento às demandas
populares requer mudança de rumo da política econômica, se torna mais difícil a
relação entre o governo Lula (que já disse, reiteradamente, acreditar no seu
acerto) e os movimentos populares. Eles precisam politizar sua base social e
elevar o nível de seu discurso, para enfrentarem os condicionamentos impostos
pela equipe econômica. Mas isso implica maior radicalização e traz o desafio de
virem a ser acusados de enfraquecer o governo Lula. Neste contexto dois fatos
são marcantes.
O primeiro foi o Acampamento Terra Livre, em Brasília, reunindo cerca de 800
lideranças indígenas _ muitos jovens _, de quase 90 povos, de todas as regiões
do país. Defenderam seus direitos constitucionais e mostraram conhecer de perto
as questões que afligem as comunidades: terra, saúde, educação, sustentabilidade
ambiental etc. Entre as principais conquistas do _Abril Indígena_ está a
perspectiva de criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, proposta
consensual e estratégica do movimento indígena. Mesmo sabendo que os inimigos
dos povos indígenas tentarão anular essa conquista no governo federal, no
Congresso, na mídia e junto à sociedade nacional, o Acampamento Terra Livre
demonstrou o protagonismo político dos povos indígenas no Brasil.
O segundo fato é a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que está mobilizando
milhares de pessoas a caminho de Brasília, onde chegarão no dia 17 de maio. Ela
poderá levar o governo a resolver os problemas pendentes em centenas de
acampamentos de sem-terra esparramados pelo país, a melhorar a qualidade de
vida das famílias assentadas e também propiciar as condições para que seja
retomado o Plano Nacional de Reforma Agrária e se cumpra a meta de assentar 430
mil famílias até 2006. Mas tal êxito depende de uma grande organização, que não
é fácil quando os movimentos de massas, no seu sentido mais amplo, se encontram
fragilizados pelo ideário neoliberal, pelo desemprego e subemprego, pela
perplexidade política de suas lideranças e pela falta de um partido político
que as represente (pois o PT tornou-se um partido do governo e só um resto
ainda se alinha com esses movimentos sociais).
Por outro lado, essa radicalização dos movimentos sociais no sentido de mudar o
rumo da política econômica, pode ser capitalizada pelos setores conservadores,
que, em defesa dos seus interesses, já estão pedindo que o governo mostre sua
autoridade reprimindo-os. Exemplo disso é o aumento da violência e da repressão
contra o Movimento dos Atingidos por Barragens, como a prisão de sete
agricultores, acusados de provocarem anarquia e desordem social, em Campos
Novos _ SC, a repressão da PM a um protesto de agricultores contra a construção
da barragem de Jurumirim, em Rio Casca – MG e a operação do Exército na Usina
Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, para prevenir manifestações no local. Na base
desses conflitos está o fato de as empresas proprietárias não quererem adotar o
critério de terra por terra aos desalojados. Quando as famílias reclamam, as
empresas acionam a Polícia e o poder Judiciário para a repressão.
Essa criminalização dos movimentos sociais encontra eco favorável mídia, que
pinta as lideranças populares como baderneiros interessados em beneficiar-se às
custas de pobres que eles dizem representar. É nesse difícil contexto que os
movimentos sociais, apesar de tudo, renascem e se articulam, mesmo sem o apoio
do governo no qual muitos deles continuam teimosamente acreditando.
O Mutirão por um Novo Brasil, patrocinado pelas Igrejas, pastorais e movimentos
sociais associados à 4ª Semana Social Brasileira, quer retomar com vigor as
lutas de massa, na perspectiva de acúmulo das forças sociais, como caminho
viável na construção de um projeto acertado para a Nação Brasileira. Ele quer
superar o momento de desagregação da esquerda e dos movimentos de massa, e
realçar o protagonismo dos Movimentos Sociais na construção de um projeto de
cidadania ativa para o Brasil. O processo da 4ª SSB está a caminho do grande
encontro nacional em outubro próximo. O acúmulo de debates, mobilizações e
articulações, realizados em todos os estados do Brasil serão a base para a
plataforma de acordos e compromissos comuns das principais forças sociais do
País, que terão ampla participação neste encontro.
3. A inserção do Brasil no mundo
O Governo Lula montou sua política externa a partir da estratégia de conquistar
aliados os mais diversos, para buscar a superação da desigualdade nas relações
econômicas e mundiais e assim eliminar a fome e a miséria. Sua política
interna, porém, é determinada por alianças que impedem a realização dos
direitos sociais inscritos na Constituição de 1988. Essa contradição coloca em
questão se a política externa trará bases sólidas para as necessárias reformas.
As políticas do governo Lula se inscrevem num contexto internacional que, em
parte, as determina. O processo de globalização crescente reforça a
interdependência. Nenhum país pode ignorar o novo âmbito mundial na definição
de suas políticas. Lula procura reforçar a presença do país no comércio
internacional, aumentar a influência política do Brasil e conquistar certa
liderança entre os países do _Sul_ na perspectiva duma nova ordem
internacional. Esses objetivos devem ser situados no panorama internacional
atual, onde três elementos se destacam.
Unilateralismo
A última década viu a hegemonia econômica, ideológica e militar dos EUA se
reforçar sensivelmente. A _guerra geral_ contra o terrorismo (Afeganistão,
Iraque e Palestina) aumentou as tensões nas relações internacionais e a
desconfiança da opinião pública. As nomeações feitas após a reeleição do
presidente Bush não assinalam uma _distensão_ , mas sim um novo equilíbrio
mundial sob a liderança dos EUA e da China, com a Europa e o Japão em secundo
plano. Iniciativas multilaterais, como a limitação de emissão de gazes de
_efeito estufa_ (hoje inquestionável) e o reconhecimento do Tribunal Penal
Internacional, estão fora da agenda de Bush. O Brasil, que teme se opor ao
poderoso vizinho do Norte, está numa posição desconfortável, embora sua voz
tenha sido mais ouvida hoje do que nos oito anos de FHC.
Guerras
A guerra _preventiva_ ao terrorismo levou ao aumento do orçamento militar dos
EUA (mais de 400 bilhões de dólares em 2004, sem incluir as despesas de guerra
contra o Iraque e o Afeganistão) e a hegemonia dos _falcões_ em Washington. As
eleições no Afeganistão e no Iraque não criaram estabilidade política, pois a
_paz_ é mantida pelas armas. Na Palestina continua a construção do _muro da
vergonha_ para isolar a Cisjordânia e agora, também Jerusalém, apesar da
condenação pela Corte Internacional de Justiça a Israel. Na África, os
conflitos (atrás dos quais há interesses de grandes empresas) continuam fazendo
vítimas na população civil. As grandes potências têm meios para resolvê-los, mas
preferem não intervir. Já morreram, na última década, mais de 2 milhões de
pessoas. Só em Darfur, província ocidental do Sudão, 180.000 morreram nos
últimos dezoito meses e 700.000 tiveram que refugiar-se.
Miséria.
O crescimento da miséria em muitos países ficou escondido sob a ligeira melhoria
nas estatísticas da ONU, devida aos bons resultados da luta contra a pobreza na
China, e em menor medida, na Índia. Na América Latina o número de pobres
aumentou em 11 milhões nos três últimos anos. O presidente Lula tenta criar na
ONU, junto com outros chefes de Estado, um fundo contra a fome e miséria, mas
encontra pouco apoio. O Banco Mundial, o FMI, a OMC e agora o Fórum Econômico
Mundial de Davos juram lutar contra a pobreza e miséria, mas as medidas
concretas não seguem as boas intenções. A globalização financeira sem limites
nem controle só tem aumentado as desigualdades entre grupos sociais e entre
países, a pobreza, a exclusão e a miséria.
A África é o continente mais abandonado a seu triste destino: ali estão 39 dos
61 países mais pobres do mundo. Os investimentos orientam-se unicamente para a
exploração dos recursos naturais, sem beneficiar a população. As dívidas
asfixiam qualquer possibilidade de desenvolvimento. Neste contexto, os Estados
_ grande parte deles em desmantelamento _ não têm condições de lutar contra o
flagelo da AIDS, que dizima a população.
Em 1995 a ONU estabeleceu como meta reduzir pela metade a pobreza no mundo nos
vinte próximos anos. Os _Objetivos do Milênio para o Desenvolvimento_ são o
maior projeto histórico para reduzir a miséria, e sua aprovação expressa o
avanço da consciência mundial, deixando claro que _vivemos num mundo indiviso,
onde os ricos não podem mais ignorar os pobres_ (Amartya Sem). Mas seus
resultados são decepcionantes e provavelmente os objetivos não serão atingidos,
porque o _Norte Global_ (os ricos, independentemente de seu países) não vê
motivos para partilhar seus bens com o _Sul Global_ (o conjunto dos pobres do
mundo).
O contexto sul-americano
A transição democrática bem sucedida ao fim das ditaduras nos anos 1980 abriu o
caminho para a eleição de presidentes com um projeto social e democrático, em
oposição ao neoliberalismo hegemônico dos anos 1990. Essa onda reformista, que
representa a insatisfação com as conseqüências da globalização, em particular o
aumento da miséria, deu a vitória a candidatos de perfil nacionalista, popular
ou até mesmo de esquerda em muitos países da região.
Eleitos, porém, eles dificilmente conseguem promover reformas sociais e são
levados a manter a ortodoxia macroeconômica. As situações são diversas. No
Equador e Peru, Lúcio Gutierrez e Alejandro Toledo, abandonaram até o projeto
de reformas sociais. Gutierrez foi deposto por uma irreprimível onda de
protestos populares. Na Argentina, a situação caótica da economia e uma
insurreição popular latente, não deram a Kirchner outro alternativa senão
enfrentar os credores e o FMI, até agora com sucesso. No Chile e no Brasil,
Lagos e Lula prometem reformas, mas sem tocar nas estruturas políticas e
econômicas vigentes. No Uruguai, Tabaré Vázquez ainda não mostrou como se
posicionará diante dos poderosos interesses financeiros. A Bolívia apresenta
uma situação instável, pois os movimentos indígenas, bem organizados, resistem
eficazmente contra a virada neoliberal do governo. Já na Venezuela, Hugo Chávez
apoia-se na mobilização popular e promove importantes reformas sociais,
inclusive a reforma agrária e diminui o poder concentrado nas mãos duma
minoria. Não por coincidência, aumentam a hostilidade de Bush e a solidariedade
de Cuba.
Reais transformações sociais, de fôlego, não poderão acontecer sem a integração
da região. A ALCA, na qual muitos países perceberam o risco do neocolonialismo
institucionalizado, operou uma certa aproximação entre os vários países,
levando os EUA à estratégia de _dividir para reinar_. Unidos no Mercosul,
Brasil, Argentina e Paraguai _Vázquez está questionando a validade do acordo
assinado por seu antecessor _resistem à imposição norte-americana e querem
reforçar e ampliar o Mercosul para construir a Comunidade Latino-Americana das
Nações.
Cabe mencionar aqui a situação do Haiti. Um ano depois da destituição de
Aristide, o desastre humanitário e a confusão política só fazem aumentar. Os
_capacetes azuis_, sob comando brasileiro, só parcialmente cumprem sua missão.
Não conseguem impedir as violências na sociedade ou entre grupos armados, nem
preparar um ambiente favorável para as eleições gerais em novembro deste ano.
Instabilidade estrutural.
A instabilidade regional ficou evidente neste mês de abril. Na cidade de México
houve mega-manifestações em favor do seu prefeito e principal adversário
político do presidente Vicente Fox. A vitória eleitoral de Obrador parece
doravante muito provável. Na Nicarágua, o aumento do preço do transporte foi um
pretexto para muitos protestos contra a política do presidente Enrique Bolaños,
pedindo a sua renúncia.
Mas foi, evidentemente, no Equador, que o descontentamento profundo da população
se expressou mais diretamente. O Coronel Lúcio Gutiérrez, eleito em novembro de
2002, levantou uma grande esperança num país onde as condições de vida da
maioria da população, indígena, muito se deterioraram na última década. O
embargo total dos EUA sobre a economia e a maioria das instituições do país fez
que em poucos meses ele mudasse de lado. Ao nomear uma corte suprema
subserviente, desagradou às forças armadas. Buscou o apoio dos EUA, dizendo-se
o _principal aliado de G.W. Bush na América Latina_ e firme partidário dos
tratados de livre comércio. Foi condecorado pelo chefe das forças armadas
norte-americanas na AL pela imunidade conferida a suas tropas no Equador.
Cresceu a distância entre o presidente e o conjunto do país e uma nova aliança
parlamentar precipitou a crise. O povo indígena, que muito tinha contribuído
para a eleição do presidente, desceu às ruas. Pressionado pelos levantes
populares, o Parlamento depôs o presidente. Foi o terceiro em 8 anos. Ignorando
o descontentamento da população, a secretaria de Estado Condoleezza Rice instou
por novas eleições. A OEA _ voz dos EUA _ endossou a recomendação. Mas a crise
é muito profunda para ser resolvida apenas por eleições. O povo está revoltado
contra a submissão do País aos interesses estrangeiros, e o país está se
decompondo. São os movimentos indígenas que ainda mantêm uma certa coesão. Por
quanto tempo?
4. Ecos do Congresso Nacional
Uma questão crucial no Legislativo de hoje: o instituto da Medida Provisória
(MP) congestiona continuamente a pauta dos trabalhos. A MP foi estabelecida
pela Constituição de 1988 como instrumento a serviço do Presidente da República
em casos de relevância e urgência. A maioria dos assuntos das Medidas
Provisórias não têm sido, de fato, nem de relevância nem de urgência. Fazem a
transferência do Legislativo para o Executivo na função de legislar, gerando
paralisia na prática parlamentar. Os últimos governos têm abusado desta
prerrogativa. Estão em discussão propostas de novo rito de tramitação, através
de uma comissão mista. Propostas em estudo: a) já há entendimento de que é
indispensável que haja alternância no ingresso das MP – Senado ou Câmara; b) a
admissibilidade passaria a ser analisada e decidida apenas pela casa em que a
MP ingressa; c) redefinição dos prazos para a tramitação das MPs.
Projetos de leis de Bioética e afins
A votação do Projeto de Biossegurança, com todas as ambigüidades conhecidas,
deixou muitas lições para o nosso trabalho de acompanhamento aos Projetos de
lei do mesmo teor. Alguns aspectos merecem atenção:
a) O processo de votação revelou que estamos diante de um novo quadro da
evolução da ciência, ainda com interrogações. De um lado, percebemos que se
descortinam esperanças para a população, como no caso das células-tronco
adultas, ao mesmo tempo urge um rígido discernimento ético em suas
prerrogativas (como no caso do uso de embriões para pesquisa);
b) Daí a necessidade de maior preparo para enfrentamento desses temas _ tanto
por parte das nossas Igrejas como por parte dos parlamentares. Vivemos uma
cultura onde a subjetividade exacerbada, atenta para soluções imediatas, é
movida mais pelas emoções do que pelo desejo de critérios em defesa da vida;
c) Também a experiência dessa votação mostrou que a palavra do Magistério
eclesial perdeu força junto aos legisladores do país. A laicidade do Estado tem
sido alegada para desqualificar a palavra da Igreja sobre temas de bioética: no
Legislativo, no Executivo (Ministério da Saúde) e no Judiciário;
d) Esta nova realidade está exigindo que a Igreja reformule suas estratégias de
formação dos cristãos (a questão mais profunda ultrapassa o embate jurídico).
Torna-se necessário nova forma de diálogo com os parlamentares e políticos em
geral, sobretudo no âmbito das Igrejas locais, onde eles têm suas bases
políticas e estão mais sensíveis às propostas e aos reclamos da sociedade.
Há no Congresso um grande número de Projetos de Bioética e afins (cf. em anexo
uma lista de projetos em tramitação) revelando a nova sensibilidade da
sociedade e dos parlamentares. Está marcada na sede da CNBB, no dia 31/05, uma
reunião de um grupo de parlamentes para estudar esta lista de projetos, o seu
andamento e estratégias de ação.
Está em fase de preparação um Conselho de Bioética que consiste numa instância
de referência para análise e discussão de temas de Bioética. Tem como
atribuição atuar como um balizador moral ao dar visibilidade e enunciar
corretamente questões de difícil compreensão tanto para a sociedade como para
os governantes e o país, revelando toda a complexidade de seus efeitos e
implicações. Será um órgão consultivo de assessoramento ao Presidente da
República, sem personalidade jurídica própria, mas com autonomia relativa para
que disponha de uma dotação orçamentária, independente de programas de governo,
com membros indicados pela sociedade civil e nomeados pelo poder público.
A proposta original foi apresentada pela CNBB ao Presidente Lula. Esta proposta,
estudada por uma comissão articulada pelo Ministério da Saúde, está na Casa
Civil que deverá encaminhá-la como Projeto de Lei ao Congresso Nacional.
A Reforma Política
No momento, a palavra _Reforma_ ganha espaço: política, tributária, sindical e
trabalhista… No entanto, o Projeto da Reforma Política, em tramitação na
Câmara, parece ser a mais fundamental e urgente, diante dos desafios prementes
dos processos eleitorais que ameaçam a própria democracia. O objetivo deste
Projeto é reforçar o partido como instituição de representação política da
sociedade junto ao Estado. Para isso, ele propõe: fidelidade partidária,
financiamento público das campanhas, listas preordenadas de candidatos,
cláusula de barreira e proibição de coligações partidárias. Embora as
lideranças digam que a Reforma Política poderá ser logo aprovada, a correlação
de forças no Congresso faz que só uns poucos parlamentares apostem na aprovação
integral do texto ainda este ano. Com exceção da fidelidade partidária, os
outros pontos importantes da Reforma são controversos. Uma das alternativas
para evitar a paralisação da Reforma é a sua votação em partes, ou, então,
votar o texto de uma única vez, mas estabelecendo prazos diferenciados para sua
entrada em vigor. Nas eleições de 2006 começariam a valer mecanismos que
fortalecem a fidelidade partidária, como o estabelecimento de prazos de
filiação de candidatos. As questões mais polêmicas – o voto em lista partidária
e o financiamento público da campanha – só entrariam em vigor mais tarde. Nossos
grupos da Igreja vêm insistindo na urgência do aperfeiçoamento do arcabouço
jurídico das instituições políticas como condição para a consolidação da
democracia. Daí a força moral da Lei 9840 contra a corrupção eleitoral, apesar
de continuamente ameaçada.
Numa visão mais ampla de reforma política, em busca de uma nova cultura
política, o Professor Fábio Comparato, com o apoio da OAB e da CNBB, está
liderando uma Campanha, para um Projeto de Lei que regulamente o art. 14 da
Constituição Federal, em matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular.
A motivação do projeto: o povo brasileiro tem o direito de votar em eleições,
mas não tem como exigir que o governo respeite os seus direitos sociais. O povo
tampouco tem o direito de rejeitar emendas constitucionais, leis ou tratados
internacionais, que prejudicam o país. Além disso, as leis propostas pelo povo
podem ser alteradas ou revogadas sem consentimento do povo. Este projeto de lei
se propõe corrigir esses abusos. A proposta, apresentada pela OAB à Comissão de
Legislação Participativa, da Câmara dos Deputados, foi aprovada por
unanimidade. Segue agora a tramitação regular dos projetos de lei. O trabalho
de coleta de assinaturas será um apoio popular que dará legitimidade ao
projeto.
Câmara avalia Referendo popular sobre as armas
Há grande expectativa quanto ao Projeto de Decreto Legislativo sobre o Referendo
popular, previsto no Estatuto do Desarmamento (Lei 10826/03) para outubro deste
ano, para decidir sobre a proibição da venda de armas de fogo e munições no
Brasil. O Estatuto do Desarmamento já restringiu o porte de armamentos.
Pesquisas recentes constatam que um cidadão armado tem 57% de chances a mais de
ser assassinado do que os não possuem armas de fogo _ isto num país onde se
morre mais por arma de fogo (27%) do que por acidente de trânsito (25%).
O Projeto do Decreto precisa ser votado logo, para que o Referendo se realize
neste ano. Requerimento assinado por 8 líderes, representando 290 deputados,
pediu urgência na votação. O presidente da Câmara ressaltou que vai atendê-lo.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Velloso, é
favorável: "Devemos fazer tudo para que este referendo saia. Que o povo
brasileiro seja esclarecido para que o verdadeiro titular do poder – que é o
próprio povo – decida se é a favor ou contra o projeto que proíbe a compra de
armas". A CNBB, nas pegadas da Campanha da Fraternidade deste ano, está
empenhada na realização deste Referendo como instrumento de paz.
Frente propõe a criação do Parlamento Mundial
Foi instalado na Câmara dos Deputados uma Frente Parlamentar com o objetivo de
criar um Parlamento Mundial. Este Fórum Parlamentar propõe um espaço para que
as nações possam conversar e buscar soluções para os conflitos e assuntos que
ultrapassam as fronteiras de cada país. Os integrantes da Frente já aprovaram a
realização de um seminário internacional em Brasília, em junho deste ano, com a
participação de parlamentares de vários países e lideranças da sociedade civil
para discutir e pensar o Parlamento Mundial. A iniciativa acontece em boa hora
quando é evidente o esgotamento da ONU na democratização das relações
internacionais. Este Parlamento Mundial pode tornar-se uma alternativa
internacional, no caso em que a ONU venha a tomar decisões sem respeitar os
anseios do mundo democrático. A idéia está em sintonia com as propostas do 5º.
Fórum Social Mundial que reuniu, em Porto Alegre, 180 mil pessoas de 151
países.
Renda básica de Cidadania
Em janeiro de 2005, o Presidente da República sancionou a Lei que instituiu a
renda básica da Cidadania, como direito de todos os brasileiros residentes no
País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 anos, receberem, anualmente, um
benefício monetário. Esta quantia deverá ser alcançada em etapas, a critério do
Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população. O
pagamento do benefício deve ser de igual valor para todos, e suficiente para
atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde,
considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades
orçamentárias. Diz a Lei que o Poder Executivo consignará dotação orçamentária
suficiente para implementar a primeira etapa do Projeto.
Brasília, 10 de maio de 2005
Contribuíram para esta análise Pe. Antônio Abreu, Bernardo Lestienne,
Daniel Seidel, Ir. Delci Franzen. Pe. Ernanne Pinheiro e Pe. Thierry Linard.
Pedro A. Ribeiro de Oliveira
Professor na Universidade Católica de Brasília e
Assessor da Comissão Episcopal para o Laicato.
