Loja do MST em São Paulo expõe solução agrária, ecológica e alimentar

Inauguração do Armazém no Campo reuniu visões de resistência, igualdade e busca por qualidade de vida. Evento contou com a presença de Haddad, Suplicy, Trajano, entre outros 400 visitantes

por Gabriel Valery, da RBA publicado 31/07/2016

https://youtu.be/BIjCpcogYc0

São Paulo – Bananas, alface, couve, agrião, saúde e boas políticas. São Paulo ganhou neste sábado (30) a loja Armazém do Campo. A iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) traz produtos orgânicos, livres de agrotóxicos, vindos da reforma agrária e da pequena agricultura. É uma forma de combater o "momento do câncer", definiu o produtor rural José Wilk, o Lico.

 

O evento de inauguração reuniu cerca de 400 pessoas na loja, sediada no bairro de Campos Elíseos, região central da capital paulista. Lico fez questão de conhecer os novos consumidores. Entre eles, estavam o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), Ana Estela Haddad, o ex-senador Eduardo Suplicy, os coordenadores do MST João Pedro Stédile e Gilmar Mauro, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, e os jornalistas José Trajano e Paulo Henrique Amorim, entre outros.

 

"Temos uma epidemia de doenças na sociedade, que nunca culpa o alimento. Quando você pesquisa a fundo, existem provas de que os venenos dos alimentos aceleram o câncer que viria um dia, ou cria em quem não deveria ter", afirmou Lico. Boulos concorda com a sentença do agricultor e vê no Armazém um local simbólico de avanços sociais: "A agroecologia faz um contraponto fundamental ao que representa o agronegócio, que envenena os alimentos das famílias brasileiras, e ao conservadorismo crescente".

 

A boa presença do público repete o sucesso das feiras de orgânicos. A própria experiência do Armazém surge de um desses eventos, a 1ª Feira Nacional da Reforma Agrária, no Parque da Água Branca, realizada no ano passado. "As pessoas compraram bastante lá, e muitas passaram a perguntar e pedir para o pessoal do MST por mais feiras do tipo, o que nos motivou", explicou o coordenador responsável pela loja, Rodrigo Telles, filho de assentados no Paraná.

 

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    Gilmar: agricultura já foi vista como lugar de quem não estudou e ainda rende expressões pejorativas. Está mudando

 

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    O coordenador Rodrigo e o agricultor Lico: preço justo para produtor e consumidor

 

Gilmar Mauro observa um movimento de mudança na visão da sociedade sobre agricultura e trabalhadores rurais. "É uma alteração de paradigma, muito em razão dos problemas que a sociedade urbana vive, como a dificuldade de ter uma alimentação saudável. A agricultura já foi vista como lugar de quem não estudou. Inclusive, expressões pejorativas são utilizadas até hoje, como 'mandar para a roça', 'plantar mandioca', 'resolver pepino', 'pisar do tomate'. Essa questão histórica está mudando e nós, trabalhando para construir qualidade de vida", disse.

 

Mauro acredita que o Armazém é parte da construção de uma nova cultura no país. "Queremos políticas públicas para a reforma agrária, mas também, queremos políticas que apontem para uma perspectiva de pesquisa e construção de insumos agroecológicos. Queremos debater com a sociedade o tipo de comida que a humanidade quer, que tipo de uso queremos da terra, do solo, da água e dos recursos naturais. Para fazer o que o capital faz hoje com o meio ambiente, não precisa de reforma agrária. Esse modelo causa impactos gravíssimos para toda a humanidade", afirmou.

Boas políticas

 

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    Stédile, com Suplicy e Haddad: é tempo de solidariedade e de resistência, nestes tempos sombrios de governo golpista

 

Lico passou por um longo caminho até chegar ao Armazém. "Antes de chegar à produção, eu morava em uma favela em Jundiaí (no interior de São Paulo). Morava com minha família em uma casa muito pequena, éramos 12. Um dia um rapaz chamado Luiz, do MST chegou até nós falando sobre as possibilidades de mudar de vida através da reforma agrária. Fomos para um acampamento para lutar por terras improdutivas e torná-las produtivas. Estudei por quatro anos, adquiri conhecimento e respeito pela terra e consciência política para viver no campo. Comecei a produzir com a ideia: por que comer alimentos envenenados se podemos criar com qualidade?"

 

O jornalista Trajano elogia o movimento. "É muito interessante o que está acontecendo. O MST faz um trabalho magnífico, de emocionar. Cada conquista como essa é um passo adiante na resistência. É fundamental que as pessoas tenham acesso aos produtos da agroecologia feitos em assentamentos", afirmou.

 

Para o prefeito Haddad, são escolhas políticas que promovem as mudanças. "Temos um trabalho já feito e um pela frente. Pessoalmente, lembro a primeira vez que tive contato com algo neste sentido, com um projeto que obriga a implantação de alimentos oriundos da agricultura familiar na merenda escolar", disse em relação à Lei 11.947/09, que determina que no mínimo 30% dos alimentos das merendas escolares de todo país seja fruto da agricultura familiar. O projeto faz parte do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), desenvolvido durante o segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

 

Haddad apontou também para duas iniciativa de sua gestão que considera importantes. "Resgatamos o conceito de área rural em São Paulo através do Plano Diretor Estratégico (PDE), criando e estimulando a agroecologia familiar e o ecoturismo nos extremos da cidade. Também sancionamos uma lei que obriga a substituir todos os produtos da merenda escolar por produtos orgânicos. Começamos a fazer isso de forma gradual. Se você comparar e ver que por aí estão distribuindo merenda seca para as crianças, nós estamos na direção oposta e correta", afirmou, em alusão à distribuição de bolachas e sucos para estudantes secundaristas, inclusive para aqueles do ensino integral, pela gestão estadual do governador Geraldo Alckmin (PSDB) .

Vitrine da resistência

 

O evento ganhou tempero político. Palavras como "resistência" e "contraponto" foram ouvidas muitas vezes. O casal de moradores do bairro vizinho de Santa Cecília, Celso e Sônia Favarito, entrou no clima. "Acompanhamos o belo trabalho do MST e sempre buscamos produtos orgânicos de qualidade. Precisamos desse tipo de iniciativas, especialmente na maré do conservadorismo e reacionarismo que vivemos. É a reação popular ao capitalismo predatório", disse Celso.

 

Stédile, ao microfone, tratou de acentuar. "O novo paradigma da reforma agrária é a solidariedade. Ela não é só camponesa, é popular e de resistência. Também de resistência nestes tempos sombrios de governo golpista", afirmou, criticando a conduta do presidente interino, Michel Temer (PMDB), que promove o desmonte de políticas públicas na chefia chefia do Executivo enquanto tramita no Senado o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT). Sua fala despertou o coro de "Fora, Temer".

 

Paulo Henrique Amorim, reiterou: "As forças políticas que elegeram Dilma sofreram uma derrota muito grave com o golpe em curso. Espero efetivamente que essas forças se reorganizem para reverter esse panorama, e a liderança do Stédile é um dos pontos centrais exuberantes da resistência".

Agroecologia x agronegócio

 

Para Rodrigo Telles, apesar do momento político complicado, o levante da agroecologia é efetivo e duradouro. Segundo ele, o Armazém receberá alimentos oriundos de assentamentos e da agricultura familiar de todo o país. "Vamos trabalhar de três formas diferentes. Temos a loja de produtos orgânicos, um espaço de distribuição e venda para o atacado e o café, com salgados e doces feitos com ingredientes encontrados na loja”, disse o coordenador do espaço. E os preços, como ele garante, são pensados com uma margem mínima, para manter o negócio sem exorbitar no lucro nem promover competição predatória.

 

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    Loja serve bebidas, doces e salgados feitos com produtos agroecológicos

 

"Sempre estamos em contato com todos diretamente. Vemos o que o produtor acha correto, o que achamos certo e assim começamos a pensar no valor. Em um segundo momento, pensamos no consumidor. Queremos que todos tenham acesso", explica Lico, assegurando que mesmo pessoas de renda baixa possam comprar, sem prejuízo ao agricultor.

 

A reportagem comparou preços praticados em grandes supermercados com os oferecidos pelo Armazém do Campo. O alface, por exemplo, sai nas grandes redes por R$ 6,20, em média. Na loja do MST, por R$ 4. O abacaxi orgânico, quando encontrado em supermercado, custa por volta de R$ 14; no Armazém, foi comprado por R$ 6. A dúzia da banana de R$ 7 no mercado saiu por R$ 6 na nova loja.

 

Lico explica que a questão do preço pode variar de acordo com a época do plantio. "Tentamos trabalhar muito com rotação de culturas, porque alguns produtos não dão o ano todo. Sempre procuramos obedecer as leis da terra. E às vezes alguns produtos não vingam em determinadas épocas. Mas sempre estamos estudando técnicas, como a adubação verde, para conseguir o máximo de produtos a maior parte do ano."

 

:: O Armazém do Campo fica na Alameda Eduardo Prado, 499, Campos Elísios

:: Inicialmente, deve funcionar de segunda a sexta das 8h às 19h (aos sábados, das 9h às 18h)

:: De acordo com Telles, existe a intenção de estender o atendimento também para os domingos em breve