Entrevista João Pedro Stedile 8-8-05

Líder do MST diz que movimentos sociais estão preocupados com a paralisia do
governo
"Essa forma de democracia de mentirinha, em que o povo não tem poder nenhum de
decidir sobre o seu futuro, não funciona mais."

O economista João Pedro Stedile, uma das principais lideranças do movimento dos
sem-terra no país, avalia que a crise é muito mais grave do que aparenta.A
crise não seria apenas política, segundo ele, mas também econômica e social. "É
como se o Brasil estivesse numa encruzilhada histórica. A crise que estamos
vivendo é muito grave, profunda e será prolongada", afirma o coordenador
nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). "Estamos numa
crise de projetos para o país, uma crise de destino do Brasil."

Em entrevista ao Correio Braziliense e ao Estado de Minas, Stedile explica por
que, há duas semanas, durante uma manifestação em Curitiba, chegou a decretar o
fim do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Aquele governo Lula que nós
elegemos em 2002 acabou. Agora, temos um governo
Lula-Severino-Sarney-Calheiros.

Desde que estourou a crise, Stedile se dedica a correr o país para animar a
militância e alertar que não se pode apenas ficar embasbacado com a enxurrada
de denúncias que varre o noticiário. É preciso, segundo ele, sair do imobilismo
e deixar de lado a postura passiva. Stedile vê, assim, uma possibilidade de
superação da crise: Estimular as lutas sociais e a mobilização de massas, que é
o único caminho capaz de alterar a correlação de forças atual. A seguir, os
principais trechos da entrevista. A esquerda precisa rever seus métodos

O governo Lula acabou?
João Pedro Stedile O povo brasileiro votou em Lula para realizar mudanças.
Durante a campanha eleitoral, foram apresentadas promessas e, no entanto,
nenhum dos compromissos relacionados com as mudanças para o povo foi cumprido.
Depois veio a crise de 2005. E aí o governo faz uma reforma ministerial que
representou uma aliança ainda mais conservadora. Então, quando disse que o
governo Lula acabou, foi no sentido de que aquele governo Lula que nós elegemos
em 2002 acabou. Agora, temos um governo Lula-Severino-Sarney-Calheiros.

Como a crise está sendo vista pelas lideranças do MST e pela base do movimento?
Stedile Nossa base e a militância estão acompanhando a crise com muita atenção e
perplexidade, como todos os brasileiros. E estão muito preocupados, primeiro
pelos descalabros dos métodos que foram utilizados. Mas sobretudo estamos
preocupados pela paralisia política do governo que isso causou. E estamos ainda
mais preocupados porque o governo fez um compromisso com a sociedade brasileira
e com nossa base, se comprometendo a acelerar a reforma agrária e assentar 400
mil famílias em quatro anos. Até agora, a reforma agrária andou a passos de
tartaruga, e continuamos tendo mais de 130 mil famílias acampadas esperando os
compromissos.

O que a crise do governo e do PT representa para a esquerda brasileira?
Stedile A crise que estamos vivendo é muito grave, profunda e será prolongada. A
crise não é só de ética ou de corrupção. Estamos vivendo, em primeiro lugar, uma
crise econômica. A continuidade da política neoliberal não tirou a economia da
crise. Os resultados são medíocres. Os únicos que estão ganhando dinheiro e
estão faceiros são os bancos, as multinacionais e quem se dedica à exportação.
Há também uma crise política, porque o povo não acredita mais nos políticos.
Essa forma de democracia de mentirinha, em que o povo não tem poder nenhum de
decidir sobre o seu futuro, não funciona mais. Precisamos fazer uma reforma
política de fundo, que recupere formas de participação da democracia direta, do
direito do povo convocar plebiscitos, revogar mandatos etc. E temos ainda uma
grave crise social, que beira a barbárie, com a falta de emprego, com aumento
da violência, com a falta de serviços públicos de saúde, educação e transporte
coletivo para os pobres. Estamos numa crise de projetos para o país, uma crise
de destino do Brasil.

Quais lições podem ser tiradas?
Stedile Muitas. Primeiro, é preciso que os partidos de esquerda revisem seus
métodos de fazer política. O que o Campo Majoritário (grupo hegemônico dentro
do PT) fez no partido foi utilizar os mesmos métodos clássicos da direita:
tentar ganhar eleições apenas com dinheiro, com marketing. Caíram na ilusão dos
showmícios, dos Dudas da vida. E aí saíram a cata de dinheiro para financiar um
método despolitizado, atrasado, que a direita sempre usou. Portanto, é preciso
recuperar os métodos corretos da política, que é a disputa de idéias, que é
elevação dos níveis de consciência da população, que é estimular o debate e a
participação militante dos cidadãos.

O PT assumiu a Presidência como a promessa de tratar com mais
sensibilidade as demandas sociais, inclusive as colocadas pelo MST. Qual será o
impacto para o MST se a debacle do governo e do PT prosseguir?
Stedile Nosso papel, no MST e nos movimentos sociais, não é ficar apenas
embasbacados com as denúncias. Nosso papel é, em primeiro lugar, fazer reuniões

na base, reunir a militância, debater, entender o momento que estamos vivendo.

Tenho me dedicado a isso 24 horas por dia desde que eclodiu a crise. E, a
partir da compreensão correta do que realmente está acontecendo, estimular as
lutas sociais, a mobilização de massas, que é o único caminho capaz de alterar
a correlação de forças atual. A crise se resolve com debate político, com as
massas e com articulação de forças sociais que queiram mudanças verdadeiras.