*Luiz Inácio Fausto da Silva?*

Paulo Nogueira Batista Jr.*

Jornal do Brasil

 Tudo  vaza. Em jantar recente com alguns governadores e ministros,
o presidente da  República teria se queixado das pressões que vem
sofrendo. E desabafou: ”Não  vou vender a alma ao diabo para me
reeleger”. Foi o que publicou a Folha de  S.Paulo, com base em relato
de um dos comensais. No dia seguinte, um dos  principais colunistas do
jornal provocou: ”Já

vendeu, Lula, já vendeu”.

    O desabafo do presidente é  sintomático. A observação do jornalista
pode parecer válida, mas perde o  essencial.

   A essa altura, parece claro que houve  um acordo em 2002 entre o
candidato que sairia vitorioso e os donos do poder,  para usar a
expressão de Raymundo Faoro. Esse acordo consistia essencialmente no  
seguinte: os donos do poder (os principais bancos, interesses
financeiros  estrangeiros, proprietários dos meios de comunicação de
massa, grandes empresas não-financeiras etc.) não oporiam resistência
cerrada à eleição de Lula. Este,  por sua vez, assumiria o compromisso
de manter intocadas as políticas  macroeconômicas e financeiras.

    Esclareço, leitor, que essa é apenas  uma interpretação, nada mais
do que isso. Não tenho informações de bastidor –  nem indiretas. Mas a
interpretação não é plausível? Uma negociação desse tipo só  é possível
porque existe uma grande concentração do poder real em poucas mãos.  Os
setores hegemônicos, entre os quais cabe destacar o establishment
financeiro  e os grupos de mídia, têm as suas divergências de interesse
e percepção. Os  donos do poder nunca constituem um bloco perfeitamente
homogêneo. Mesmo assim, o  número de atores relevantes é pequeno e eles
conseguem se coordenar minimamente  em questões decisivas. Em
determinadas circunstâncias, eleições presidenciais  podem converter-se
em uma gigantesca encenação.

    O acordo de 2002, tudo indica, está  sendo cumprido à risca. O
fiador é o ministro da Fazenda, obviamente. Quase  todos os postos-chave
no ministério da Fazenda e no Banco Central foram  preenchidos, desde o
início do governo, por técnicos e financistas perfeitamente  
enquadradosno regime anterior. Com poucas exceções, todos eles poderiam
ter  sido nomeados (alguns inclusive foram) para funções de destaque nos
governos  Collor e FHC. As poucas substituições ocorridas até agora
obedeceram rigorosamente ao mesmo figurino. No que diz respeito a esse
aspecto crucial do  governo – a área econômico-financeira – as promessas
de mudança feitas na  campanha foram sumariamente revogadas no ”tapetão”.

    Esse teria sido, então, o pacto  faustiano. Com uma diferença
importante, porém. Nas circunstâncias da política  brasileira, ”a
venda” de 2002 não tem a irreversibilidade dos pactos com o  demônio.
Não que o diabo não seja tão feio como o pintam. É que a eleição de  
2006 é outra partida e outra negociação.

    Essa partida já começou. Até poucos  meses, Lula parecia imbatível
em 2006. Estourou então a crise política.  Iniciou-se bombardeio pesado
contra o governo no Congresso e nos meios de  comunicação. O governo
entrou no seu ”inferno astral”.

    Motivos para criticar o governo não  faltam, é claro. Mas grande
parte das críticas nada tem de inocente. Estão  inseridas em um
movimento cujo objetivo é, no mínimo, trazer o presidente para a  mesa
de negociação.

    Lula não é o candidato preferido dos  donos do poder para 2006, como
não foi em eleições passadas. A preferência por  algum tucano é nítida.
Mas não apareceram até agora nomes convincentes. Para  eles, a carta
mais atraente seria Fernando Henrique Cardoso, que derrotou Lula  em
1994 e 1998. Mas FHC está bastante desgastado por seu desempenho bisonho
nos dois mandatos que já teve.

    Assim, a reeleição de Lula pode se  revelar inevitável. Pretende-se
então refazer o acordo de 2002. O que se  buscará, no mínimo, é a
garantia de que o status quo será preservado na área  econômico-financeira.

 

Se o presidente vacilar, vão pedir  mais.