http://www.youtube.com/watch?v=-u3_D-d5sAw
Inspirado no povo Guarani que sempre teve a sabedoria de sair caminhando em busca da Terra Sem Males, o documentário apresenta as lutas pela Reforma Agrária no Brasil e as tentativas de se evitar o envenenamento da humanidade pelos agrotóxicos, à partir da palestra de João Pedro Stédille, líder do MST – Movimento dos Sem Terra, durante a 37a. Jornada Internacional de Cinema da Bahia em 2010. Direção de Noilton Nunes
entrevista com Elemar Cezimbra- MST-PR analisando a conjuntura agraria e os desafios do MST
"Precisamos dar um salto de qualidade na luta pela reforma agrária"
Por Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST
A agricultura passou por uma grande transformação no Brasil nos últimos 10 anos, com o avanço do modelo do agronegócio. Esse modelo está baseado na produção de monoculturas em latifúndios, em uma aliança dos fazendeiros capitalistas com empresas transnacionais e capital financeiro, promove uma mecanização que expulsa as famílias do campo e utiliza de forma excessiva venenos, os agrotóxicos.
Essas mudanças operaram transformações na base material na agricultura, que impõem novos desafios para os movimentos que lutam pela Reforma Agrária e pela agricultura familiar e camponesa. “A dinâmica da luta mudou muito e isso também nos obriga a rever todo o processo. A conjuntura da década de 1980 era uma. Hoje é completamente diferente e muito mais complexa. O inimigo de classes é muito mais poderoso”, avalia o integrante da Coordenação Nacional do MST, Elemar do Nascimento Cezimbra.
Nesta entrevista, Elemar avalia a Reforma Agrária sob o governo Dilma, os avanços necessários para o MST e as perspectivas para o próximo período. Confira:
Qual o balanço da Reforma Agrária?
Em termos de desapropriações de áreas, o balanço foi extremamente negativo. Nenhuma área foi desapropriada no governo Dilma. As medidas para desenvolver os assentamentos tampouco avançaram. O programa para agroindústria, a negociação das dívidas e a assistência técnica até tiveram alguns avanços, mas, a política como um todo é extremamente negativa. O governo entrou na lógica triunfalista do agronegócio.
Insistem em manter a invisibilidade do campesinato por esse Brasil afora e todas as contradições criadas por esse modelo, sem levar em conta toda a complexidade, o desenvolvimento cultural, educacional e social do campo.
O governo tinha margem para fazer mais?
O governo podia muito ter outras políticas. Não é só porque há uma correlação de forças desfavorável que não poderia ter alguns avanços. Os avanços que reconhecemos que aconteceram nos últimos anos se devem à nossa luta. Mas, o agronegócio fez uma contra-ofensiva muito forte e o governo se rendeu muito rápido.
O governo atendeu prontamente todas as demandas do agronegócio, como o retrocesso na questão do Código Florestal e a liberação dos transgênicos. O governo comunga dessa visão de desenvolvimento, de mão única, baseado no latifúndio e no agronegócio.
Não tem uma visão do imenso número de camponeses que podem ir parar nas favelas, caso não consigam ficar no campo. Esse é o resultado desse modelo. O contraponto da não realização da Reforma Agrária é a militarização das periferias do Rio de Janeiro e a violência desraigada. O governo não olha esse outro aspecto. Não ouve-se o que está sendo dito por muitos intelectuais. É um governo surdo.
E qual o porquê dessa posição do governo?
Primeiro, as alianças. Mas o próprio governo defendia que essas alianças, com setores centristas e do agronegócio, não impediria que fossem trabalhadas duas visões de agricultura, a familiar e o agronegócio. No entanto, o que se coloca da estrutura do Estado para o agronegócio, os grandes projetos e as transnacionais é imensuravelmente maior do que se destina à pequena agricultura, que é amplamente majoritária. São quase 5 milhões de famílias de pequenos e médios agricultores, além dos sem-terra, que não são beneficiados.
Essa aliança parece estranha num primeiro momento, por vir de um setor que tem uma trajetória de esquerda popular. Mas é por isso que nos governos Lula e Dilma o agronegócio teve avanços como nunca na história deste país, pois houve uma junção. Quando era oposição, essas forças barravam um monte de coisas. Agora não há quem barre. Foi muito fácil passar os transgênicos. Agora estão levando de vento em poupa a questão do Código Florestal. Aumentou o número de crédito para o agronegócio, que está ganhando uma série de outras benesses. É um governo que também se entusiasmou com essa lógica de que o Brasil tem uma vocação agrícola por natureza.
Desde o início, o governo Dilma nunca deu sinais de que investiria na criação de novos assentamentos, mas que daria prioridade ao fortalecimento dos já existentes. Como avalia essa posição?
Cumpriram à risca a ideia de não investir na criação de novos assentamentos. Tanto que não desapropriaram nenhuma área. Havia, inclusive, mais de 100 processos de desapropriações que já estavam prontos e na mesa da presidenta Dilma, mas ela mandou voltar. Isso é impactante para quem esperava algum avanço de um governo com caráter mais popular. Toda a estrutura do Estado, quando se trata de interesses populares, é emperrada. O governo não faz muito para agilizar e acelerar. As políticas para melhorar os assentamentos foi muito tímida. Avançou muito pouco.
As nossas lutas conseguiram acrescentar alguns pontos, colocando alguns recursos para uma coisa ou outra, mas, até agora não se tornaram realidade – pelo menos na rapidez que se esperava e que era possível. Se compararmos o orçamento dos governos anteriores com o governo atual em relação à Reforma Agrária, vemos uma grande diminuição. Ou seja, é um Estado que já não ajuda muito sob um governo com pouca vontade de atender esses setores sociais.
Nesse quadro, qual balanço das atividades do Movimento?
Nossa organização já tem quase 30 anos. O Brasil passa por uma conjuntura de grandes transformações no campo. O capital financeiro globalizado chegou pesadíssimo no Brasil nos últimos anos. Tudo isso causa muitas mudanças. O MST agora está em uma fase de se reposicionar nesse cenário da luta de classes.
Para isso, vamos nos reorganizar, recompor forças e nos reorientar em vários aspectos. Esse é o grande debate que estamos preparando até o nosso 6º Congresso Nacional. Estamos fazendo uma avaliação, procurando entender essa conjuntura complexa com todas suas implicações, dentro do quadro da esquerda no Brasil e do descenso da luta de massas.
Tudo isso também afeta a nossa luta, porque é uma parte desse todo e sofre as influências do que acontece na sociedade. Precisamos avançar enquanto referência de organização de luta. Até o Movimento ser criado, por exemplo, foram seis anos de articulações. Inicia-se em 1979 e o 1º Congresso aconteceu só em 85.
Agora, quase 30 anos depois, precisamos avançar para corresponder às mudanças pelas quais o país passou. Já estamos há quatro anos discutindo e vamos continuar esse debate por mais dois anos. Ao mesmo tempo, vamos continuar fazendo as lutas.
Quais os desafios do Movimento no próximo período?
Depois de 30 anos, o MST se territorializou nesse país. Estamos em 1200 municípios. Nossa primeira tarefa na luta é olhar para dentro, para os nossos assentamentos. Temos que nos reorganizar para apontar uma perspectiva de agricultura diferente, um novo projeto, nos nossos assentamentos. Queremos produzir alimentos, levando em conta o meio ambiente, ter outra relação com a sociedade, recriar comunidades rurais, trabalhar a perspectiva de que o campo tem um lugar, sim, na história do desenvolvimento desse país e que não pode ser um vazio de gente.
Além de organizar nossa casa, temos que olhar para o nosso entorno: dialogar com as comunidades vizinhas, com os municípios. Aprofundar as articulações com a classe trabalhadora, com outras organizações, aliados e com articulações internacionais.
Isso nunca poderá ser abandonado. A partir daquilo que o Movimento já conquistou, teremos que nos relançar. Em 1985, não tínhamos quase nada. Os assentamentos estavam começando. Hoje, temos mais de 1 milhão de pessoas na base. São mais de 500 mil famílias. Há toda uma referência que se construiu. E tudo isso se mantém.
É hora de dar um salto de qualidade?
Nessa dinâmica de transformação, há momentos em que se exige saltos de qualidade. O MST está nesse momento. A dinâmica da luta mudou muito e isso também nos obriga a rever todo o processo. A conjuntura da década de 1980 era uma. Hoje é completamente diferente e muito mais complexa. O inimigo de classes é muito mais poderoso. Isso exige do MST um trabalho de base muito mais forte. E nisso temos que dialogar, ouvir, saber das demandas e nos organizar para respondê-las, o que deriva de uma série de outras mudanças.
O que o Movimento precisa fazer para aprofundar esse processo?
Em primeiro lugar, levar esse debate a toda nossa base. Precisamos avançar no trabalho de base para ter maior solidez no próximo período. A militância vai ter que estudar, entender esse momento e aprofundar nesse debate. É a primeira tarefa que já está sendo feita. Nossa base vai ter que entender esse novo período e como é que temos que nos posicionar dentro desse contexto.
Enquanto se faz o trabalho de base, vamos também nos reorganizar. Também temos de seguir, com mais qualidade, na formação de quadros. Qual é a cabeça e o estilo do militante que vamos precisar nesse novo período? Se não tiver gente preparada não conseguiremos conduzir a luta. Os dirigentes que vão conduzir têm que estar colados com a base e bem preparados para essa nova conjuntura. A luta pela terra continua.
Temos que trabalhar melhor com a nossa base a ideia de que a Reforma Agrária clássica, baseada apenas na distribuição de terras, está ultrapassada. A perspectiva é retomar com mais força o trabalho de ocupação de terras e latifúndios.
E o trabalho de base nos assentamentos?
Temos que aprofundar a discussão sobre o tipo de assentamento que queremos, levando em conta a organização, a agroecologia, assistência técnica, a cooperação e a agroindústria. E estamos pressionando o governo para liberar mais investimentos.
Temos uma visão de um camponês desenvolvido, avançado, que busca uma cooperação que não é o fim em si mesma, mas o meio. Esse é outro desafio. Temos que desenvolver os assentamentos buscando uma finalidade social na luta de classes, na perspectiva de uma transformação mais profunda. Tudo isso são meios, mecanismos e instrumentos para essa perspectiva maior, a perspectiva da utopia. Quem perde a utopia está perdido. Essas tarefas são grandes, mas temos que avançar.
Qual o papel de juventude nesse debate?
Precisamos fazer uma discussão forte sobre o que nós queremos com as nossas crianças e nossa juventude. Qual é o lugar deles e como fazer com que participem? É um trabalho que vamos retomar com mais força. O setor de gênero, as questões das mulheres, também é outro ponto. Temos que acelerar o processo de participação das mulheres na base, com mais efetividade, clareza e intencionalidade.
Temos que traçar metas, aprender a nos organizar com menos espontaneidade. Junto à utopia, temos que traçar a estratégia e suas diretrizes. Traçar ações e avaliá-las. Trabalhar planejadamente é algo muito difícil em uma organização camponesa, mas temos que nos organizar.
Essa qualidade não é só política e ideológica, é também técnica e administrativa. Organizar bem os recursos, viabilizar as finanças e qualificar a relação com o Estado. Temos que trabalhar seriamente o lado da autossustentação, com muito mais efetividade para podermos nos colocar com mais força no próximo período.
Nueva pelicula sobre la marcha de los sin tierra en Brasil, con legenda en espanol.
Titulo do vídeo:MST: O MOVIMENTO SEM TERRA E A MAIOR MARCHA DO BRASIL
País:Brasil Duração:01:10:00 Diretor:Gibby Zobel
Sinopse Durante 17 dias, 12.000 integrantes do Movimento Sem Terra acordaram de madrugada e pegaram a estrada BR-060, formando uma coluna de quatro quilômetros rumo à Brasília na luta pela reforma agrária.
http://tal.tv/video/mst-o-movimento-sem-terra-e-a-maior-marcha-do-brasil
Diabolizados como foras-da-lei, perigosos – até terroristas – pela mídia do próprio país, o movimento de mais de um milhão e meio de pessoas tem apoio internacional e já é batizado o movimento mais dinâmico do mundo.
O filme acompanha a longa marcha de 238 quilômetros pela liberdade, uma visão épica da humanidade em movimento.
Chegar no destino não era a meta principal. Para o MST, fundado em 1984, a marcha tinha como objetivo abrir um debate a longo prazo com a sociedade, um sonho do futuro.
O filme segue quatro participantes, mostrando o dia a dia deles abaixo da lona preta, do extremo sul ao árido nordeste do país, para ver se a Marcha Nacional de Reforma Agrária teve impacto sobre eles e as suas comunidades.
Assassinato de Keno completa quatro anos
Nesta sexta-feira (21/10), completa quatro anos que grupo armado contratado pela empresa transnacional de sementes transgênicas Syngenta Seeds atacou trabalhadores e trabalhadoras rurais da Via Campesina. O ato de violência do agronegócio aconteceu na antiga fazenda da Syngenta, em Santa Tereza do Oeste, no Paraná, onde eram realizadas experiências ilegais com transgênicos e agrotóxicos na zona de amortecimento do Parque Nacional Iguaçu.
http://www.mst.org.br/node/12597
A Syngenta utilizava serviços de um grupo armado, que agia sob a fachada da empresa NF Segurança, em conjunto com a Sociedade Rural da Região Oeste (SRO) e o Movimento dos Produtores Rurais (MPR), entidades ligadas aos ruralistas da região.
A ação ilegal de despejo dos trabalhadores terminou com a morte de Valmir Mota de Oliveira, conhecido como Keno. A militante Isabel Cardin perdeu a visão, entre outros trabalhadores rurais que ficaram feridos.
Após o episódio, o embaixador Suíço Rudolf Bärfuss pediu desculpas à viúva de Keno, Íris Oliveira, com a seguintes palavras. "Em nome do governo do meu país, eu quero pedir desculpas". Na ocasião, Íris entregou uma carta ao embaixador exigindo que o governo suíço ajude a punir a Syngenta pelo ato de violência e pelos crimes ambientais dos quais é acusada.
O antigo centro de experimento ilegal da Syngenta, que foi desapropriado pelo governo do estado, atualmente é sede do Centro Agroecológico de Experimento de Variedades Crioulas de Sementes sob a direção do Instituto Agronômico do Paraná, IAPAR e a Via Campesina.
Histórico de violência
O assassinato do trabalhador é mais um caso de violência cometida pelo agronegócio e o latifundiário contra camponeses e camponesas: Tião Camargo, Camargo Filho, Eli Dallemole, Elias Gonçalves Meura, Vanderlei das Neves, Teixeirinha, Sétimo Garibaldi, Antonio Tavares, Eduardo Anghinoni, entre outros que perderam sua vida na luta pela reforma agrária.
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que entre 1998 e 2009, no Paraná, houve o assassinato de 19 trabalhadores rurais sem-terra.
Mesmo assim, nenhum mandante foi responsabilizado por essas mortes, quadro que obriga as organizações a procurar os órgãos de Justiça Internacional, como a Corte Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Somente este ano um assassino foi condenado e preso, Jair Fermino Borracha, 14 anos após o assassinato de Eduardo Anghnoni.
No interior de Pernambuco ainda são os «coronéis» que mandam
Desaparecimento de trabalhador rural, destruição de acampamentos de Sem Terra, pistolagem, apreensão ilegal de bens. Onde o Estado não chega, impera a lei do coronelismo. No interior de Pernambuco ainda são os grandes proprietários de terra e usineiros que mandam no Estado, na polícia, no judiciário, e tem poder de vida e morte. E os poderes públicos assistem
Dois casos recentes em Pernambuco ilustram o porquê o estado possui um dos maiores índices de violência no campo do Brasil.
O primeiro aconteceu no dia 11 de outubro, quando a polícia do estado cometeu uma série de ilegalidades e violações dos direitos humanos durante ação de reintegração de posse na Fazenda Serro Azul, município de Altinho, agreste do estado, enquanto o promotor da cidade, que deveria zelar pelos direitos dos cidadãos, assistia e incentivava as violações, acompanhado pelo ‘proprietário’ da fazenda.
Três dias depois, no dia 14 de outubro, o trabalhador rural José Amaro da Silva, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desapareceu na zona da mata de Pernambuco quando saía do acampamento do MST no Engenho Brasileiro, município de Joaquim Nabuco, mais umas das áreas de conflito agrária do estado.
Ambos os casos foram amplamente denunciados pelo MST e pela organização de direitos humanos Terra de Direitos, mas até agora o Governo Estadual, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e demais órgãos responsáveis parecem continuar de braços cruzados.
“Dois dias depois do despejo do acampamento da fazenda Serro Azul houve uma reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, quando denunciamos as violações e abusos cometidos durante a ação, inclusive ilustradas em fotos e vídeos. Estavam presentes na reunião o Dr. Gercino Filho, Ouvidor Agrário Nacional; o Superintendente e a ouvidora do INCRA; o presidente do ITERPE; o Delegado Agrário de Pernambuco; representantes da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério Público Federal, do Comando da Polícia, da Secretaria de Articulação Social, e ninguém fez nada até agora. Na segunda-feira, dia 17, denunciamos o desaparecimento de Amaro a praticamente todas as secretarias de estado, e a impressão era de que não acreditavam na gente. Só três dias depois é que resolveram enviar uma força tarefa da polícia militar para ajudar nas buscas. Mas esses três dias podem ter feito a diferença entre a vida e a morte de Amaro”, afirma Jaime Amorim, da Direção do MST.
Polícia, poder judiciário e proprietários de terra: uma relação indecente
Ao meio-dia do dia 11 de outubro, as 120 famílias acampadas na fazenda Serro Azul, nos municípios de Altinho e Agrestina, são cercadas pela polícia militar e pela tropa de choque. Sem dar nenhuma chance às famílias de recolherem seus pertences, começaram a colocar fogo nos barracos, enquanto funcionários da fazenda passavam com um trator por cima do que restava. Os policiais ainda se apropriaram do pouco que havia de valor nos barracos, como rádios e pequenos aparelhos, e apreenderam ilegalmente duas motos que estavam paradas, alegando falta de documento. Enquanto isso, o Promotor da Comarca de Altinho, Dr. Geovany de Sá Leite, acompanhava toda ação, dando legitimidade aos abusos e ameaçando mandar prender quem reclamasse. Ao lado dele, estava o Sr. Luiz Reis, que se diz ‘proprietário’ da fazenda, mas é apenas casado com uma das filhas do falecido proprietário.
Para André Luiz Barreto, representante da Terra de Direitos, a ação foi coberta de ilegalidades. “Além da apreensão ilegal das motos, que estavam paradas na residência dos proprietários e por isso não podiam, por motivo algum, ser apreendidas, houve uma série de outras ilegalidades cometidas pela polícia: a falta de qualquer intento de conciliação ou negociação prévia, conforme estabelecido no Manual de Diretrizes para o Cumprimento de Mandatos de Reintegração de Posse Coletiva, elaborado pela Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo e os comandos da Polícia Militar de todo o país, inclusive do estado de Pernambuco; a destruição dos barracos e bens das famílias, sem conformidade com o mandato de reintegração de posse; a apropriação, por parte de policiais, de bens eletrônicos das famílias, como um radio de carro e um micro-system, que se encontravam dentro dos barracos. E o Promotor Publico, que deveria defender os direitos da população, não apenas legitimou essas ilegalidades, como incentivou-as”. Ele solicitou ao Ouvidor Agrário Nacional, Desembargador Gercino José da Silva Filho, que entre com uma representação contra o Promotor de Altinho na Corregedoria Geral do Ministério Público de Pernambuco.
Depois do despejo, as famílias acamparam em uma área cedida pelo assentamento Frei Damião, ao lado da fazenda. Desde então grupos de pistoleiros armados com pistolas e espingardas 12 rondam o acampamento e ameaçam constantemente as famílias Sem Terra.
Para Cássia Bechara, da Direção Estadual do MST, a presença dos pistoleiros ameaçando as famílias não é surpresa. “Quando ocupamos a área pela primeira vez em abril desse ano, fomos recebidos por pistoleiros e pelo proprietário, armado com uma espingarda 12 e um revólver. Durante os quatro meses que ficamos acampados antes do primeiro despejo, em julho, os pistoleiros armaram um acampamento há uns 300 metros do nosso, e ameaçavam as famílias permanentemente. Fizemos denúncias à Ouvidoria Agrária Nacional e ao Promotor Agrário de Pernambuco. Dr. Edson Guerra inclusive visitou o acampamento e pôde comprovar pessoalmente a presença dos pistoleiros. Dr. Gercino solicitou uma investigação pelo Ministério Público de Altinho que, apesar de três diligências da polícia dos municípios de Altinho e Agrestina, que viram os pistoleiros armados, emitiu um relatório dizendo que ‘não havia nada de irregular na área’. A presença do Promotor de Altinho durante o despejo, e sua atitude autoritária e preconceituosa junto às famílias, já deixam claro as razões desse relatório, e mostram que ele não tem isenção nenhuma nesse caso.”
Mas não é só o promotor que têm ligações estreitas com o proprietário. O Delegado da Comarca de Altinho, Dr. Carlos Coelho, se recusou a abrir inquérito para investigar as ameaças sofridas pelos trabalhadores rurais. “Ele só faltou dizer que os trabalhadores mereciam. Ele literalmente disse que o que aconteceu no despejo e a presença de homens armados rondando o acampamento é coisa corriqueira, que os Sem Terra deveriam estar acostumados. Disse ainda que ele mesmo é proprietário rural, e que faria a mesma coisa se a fazenda dele fosse ocupada. E ainda zombou do INCRA, da Ouvidoria Agrária e do Governo do Estado. Usando a expressão ‘cada macaco no seu galho’, ele disse que ‘a Ouvidoria Agrária está lá em Brasília, o INCRA tem que fazer o trabalho dele, e o delegado agrário está no Recife. Em Altinho manda ele’”, afirmou Cássia.
A cana faz da zona da mata uma ‘terra sem lei’
Na última sexta-feira, dia 14 de outubro, o trabalhador rural José Amaro da Silva desapareceu quando saía do acampamento do MST no Engenho Brasileiro, município de Joaquim Nabuco, zona da mata pernambucana.
Na última comunicação de José Amaro antes de desaparecer, ele informou por telefone a outros companheiros do acampamento que se sentia seguido, e que havia alguns carros suspeitos rondando o acampamento, inclusive alertando aos dirigentes do MST que não fossem ao acampamento por aquele caminho. Depois deste telefonema José Amaro não foi mais visto, não chegou a seu destino, e seu telefone está sem comunicação.
A Direção do MST já prestou queixa do desaparecimento nas delegacias dos municípios de Água Preta, Joaquim Nabuco e Palmares, e grupos de trabalhadores rurais já realizaram buscas em todos os canaviais da região, sem nenhum sucesso.
José Amaro é assentado no Assentamento 21 de Novembro, também conhecido com Frescudim, e é presidente da associação do Assentamento. Apesar de já ter conseguido seu pedaço de terra através da luta, ele continuava contribuindo na organização de outros acampamentos, para que outras famílias também pudessem ter a vida digna que ele hoje tem.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra informou o desaparecimento de José Amaro à Secretaria de Articulação Social, ao ITERPE e à Ouvidoria Agrária Regional do INCRA no dia 17 de outubro, solicitando o envio de policiais para investigarem e contribuírem nas buscas. Mas apenas na tarde de ontem, dia 19, o Governo Estadual enviou uma força policial ao local. José Amaro continua desaparecido.
“Todo mundo sabe que a zona da mata é a região onde mais se mata trabalhadores rurais em decorrência de conflitos agrários. Temos certeza que o desaparecimento de José Amaro também está ligado aos coronéis da cana. A casa grande do Engenho Brasileiro, que vivia abandonada, está cheia de gente entrando e saindo desde sexta-feira. Nós pedimos que a polícia desse uma busca lá, pois acreditamos que eles podem estar mantendo Amaro preso lá dentro. Mas a polícia apareceu ontem e já foi embora, sem passar pela casa grande e sem nenhum avanço no caso. A família de José Amaro continua sem nenhuma notícia”, afirma Jaime Amorim.
“O que impera no interior de Pernambuco é a lei do coronelismo. Aqui, quem manda na polícia, no judiciário e no executivo local são os usineiros e os proprietários de terra, como era no tempo do Brasil colônia. Até hoje isso não mudou. Eles têm poder de mandar matar e mandar viver. E o poder público parece assistir a tudo de longe”, desabafa o dirigente do MST.
Trabalhador rural ex-escravo, agora ocupa e luta pela terra no Tocantins.
Saiu da escravidão, ''nasceu'' de novo, e hoje ''vive a vida''
Valdeni da Silva Medeiros já foi escravizado diversas vezes. Depois de muito sofrimento, "renasceu" na luta pela terra, junto com outras famílias, no assentamento Santo Antonio do Bom Sossego, em Palmeirante (TO)
Valdeni da Silva Medeiros é um trabalhador que, aos 38 anos, ocupa uma fazenda onde já foi escravizado. Na luta pela terra, renasceu. Aprendeu a viver. Na nova vida, sofre ameaças de morte. Mas, se nem considerava vida seu modo de existir antes do assentamento Santo Antonio do Bom Sossego, em Palmeirante (TO), no norte do Estado, como pensar em abrir mão das conquistas? Assim, resiste.
Ele foi um dos participantes de encontro de formação realizado no próprio projeto de assentamento pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em parceria com o programa "Escravo, nem pensar!", da Repórter Brasil.
A seguir, Valdeni da Silva Medeiros conta sua história.
Meu nome é Valdeni, nasci em Colinas, norte do estado do Tocantins. Só tive mãe. Não conheci meu pai. Tenho oito irmãos. Morei na terra de um padrasto durante um bom tempo, até chegar uma idade de 18 a 20 anos. Então, aconteceu que minha mãe teve que separar. A gente não tinha pra onde ir e teve que ir pra um bairro da cidade, construir barracão de palha e morar lá. Não tinha estudo, então comecei a trabalhar na juquira ["limpeza" de terreno para a formação de pastagem para a pecuária] pra poder manter a despesa da cidade, pois não tinha mais onde plantar. Os "gatos" [aliciadores de trabalhadores] vinham, contratavam a gente, abonavam, levavam pra trabalhar e a gente ia fazer roçado ou serviço que fosse combinado. Fiquei impossibilitado de ter algum conhecimento, nem de direito, nem de autoridade.
Rocei muita juquira, me desgastei, senti que não aguentava mais fazer o serviço adequado que os fazendeiros exigiam. Os patrões eram muito durões. Se não aguentasse trabalhar da forma que eles exigiam, então era dispensado e terminava ou trabalhando sujeito sem aguentar ou tinha que passar fome, necessidade. Eu fui trabalhar uma certa vez para um fazendeiro. Depois que eu tinha feito todo o serviço, me pagou menos da metade do prometido, ainda cobrando as passagens de ida e volta. E disse que não pagava mais porque eu já tinha ganhado muito, e que não adiantaria eu ir procurar Justiça ou advogado porque advogado não ia advogar pra gente pobre. Não tinha conhecimento dos meus direitos, recebi o pouco que ele quis pagar e fiquei quieto. Minha esposa teve uma perca [aborto], então eu fui conversar com ele que queria um tempo pra cuidar dela. Ele virou pra mim e disse que vaca velha com aftosa não segurava cria.
Eu simplesmente ficava calado. Sentia um pouco de raiva, mas não poderia fazer nada. Também tinha medo de falar mais sério pra ele. Falava algumas vezes pra gente que peão era do jeito dele. Então, devido não ter conhecimento, terminava me humilhando e ficando quieto. Assim não foi só pra um, mas pra vários fazendeiros. Fui muito, muito escravizado na época. Mas eu não sabia. Pra mim viver naquele tipo era a maneira que tinha que viver mesmo. Não tinha noção do trabalho escravo. Pra mim, era normal viver aquilo.
Naquele tempo, eu bebia muito. Sempre que ia receber as prestações de conta, eu ia bêbado. Eu sempre devia, eu nunca tinha saldo. Devido eu ter sido criado naquele regimento dos pais – ó, meu filho, a gente tem que ser homem, tem que pagar o que deve, não pode sujar o nome -, achava que a pinga pra mim poderia ser uma derrota, mas nem tanto como meu nome sujo. Minha preocupação era pagar as contas e partir de uma fazenda pra outra. Na época, pra mim era o normal. Eles estão me devendo um bom dinheiro, não é? Se for juntar tudinho que eles tiraram de mim…
Eu estava com 32 anos, eu casei. Minha esposa teve três percas. Na última, teve que operar. Foi na época que aconteceu esse fato com aquele fazendeiro, ele tratou ela como vaca. E, daí por diante ,eu decidi não trabalhar mais pra fazendeiro.
Comecei a procurar outra maneira de viver: fazer salgado, vender pipoca, depois vender picolé… Em final de 2007, ingressei numa construção civil lá em Colinas (TO), trabalhando de servente. O meu interesse era aprender a ser um pedreiro pra exercer uma profissão melhor. Trabalhei seis meses nessa construção, o patrão não quis assinar minha carteira. Num certo dia, carregando umas vigas de cimento, me baqueei muito. Foi no sábado, não aguentei de dor, não aguentei ir trabalhar. Feriu meu ombro. Eu fiquei debilitado. Fui na parte da tarde pra receber. O patrão ficou bravo um pouco, expliquei pra ele porque num pude ir. Foi quando ele falou umas coisas, como se eu fosse um cabra mole: se eu não aguentava trabalhar, eu tinha que procurar outro rumo. E fez o pagamento pra mim. Eu recebi e dali eu voltei pra casa assim com uma mente já virada pra procurar outro rumo.
Aí, por último agora, em 2008, a gente descobriu o assentamento Santo Antonio do Bom Sossego, terra pública da União. Foi criado em 2003, teve a portaria do Incra, pra 19 famílias. O Incra fez uma negociação estranha tirando dez famílias para dividir esses lotes entre três dos grileiros. Os grileiros alegam que pagaram pra eles regularizando no nome deles.
Eu já tinha sido informado desse assentamento pelos vizinhos, só que era perigoso. Mas tinha oportunidade, lotes vagos. Falei pra minha esposa: olha, não vou trabalhar mais pra ninguém daqui em diante. Vou observar essas posses, porque se a gente conseguir um chão pra gente trabalhar, eu não aguento mais trabalhar pros outros. Vou procurar uma maneira da gente viver por conta, mais livre, procurar viver aquela maneira que eu fui criado.
Eu fui com um vizinho, observamos o assentamento, agradei da terra, onde estou hoje. Eu reconheci que já tinha sido um local onde trabalhei sendo vítima do trabalho escravo. Cheguei a trabalhar lá pra esse fazendeiro, esse grileiro. Naquele mesmo local. Conheci pela cancela, conheci pela estrada velha, pelo local que a gente tinha trabalhado. Inclusive até hoje aquele trabalho ele nunca pagou pra gente. Estou recebendo agora que vou receber a terra. Lá foi roço de juquira e bater veneno. Eu conheci e disse: já tive nesse local aqui, moço. Já trabalhei aqui! Essas posses são aqui? Então, nós vamos enfrentar de verdade! Se precisar correr uma hora, a gente corre. Se precisar enfrentar, nós vamos ter que enfrentar. Já trabalhei lá mesmo, já tem suor meu derramado, eu vou enfrentar isso.
Daí por diante começaram as ameaças, eu continuei lá com os companheiros. De repente, eles perceberam que a gente também ia conversando, que a gente não queria abrir mão, e fomos nos fortalecendo no local. E individualmente cada quem foi fazendo plantio: uma mandioca, milho, subsistência. A gente foi plantando roça e isso foi crescendo com agressões.
Dentro desse período mais pra trás a gente teve conhecimento de acompanhamento da CPT [Comissão Pastoral da Terra], na pessoa do Silvano [Lima Rezende]. Teve mais o conhecimento da luta pela terra. Então, isso foi nos fortalecendo a lutar pelo nosso direito, porque a gente tinha certeza de que tinha esse direito. Era nosso direito lutar. Que não era errado lutar por aquilo porque era uma terra pública, considerada terra do governo e terra do governo é pra ser destinada pra reforma agrária, pra pessoas que não têm condições, trabalhadores. A gente foi tomando conhecimento dos direitos da gente.
Quando foi agosto do ano passado, a gente foi surpreendido por esse grileiro. Chegou armado, espingarda nas costas, revólver na cintura, sozinho, montado a cavalo. Falei pra ele o seguinte: você sabe que a gente está esperando essa decisão judicial, que o Incra ou a Justiça resolva o problema. Ele referiu pra mim que mesmo que o Incra desse direito pra nós, eu não ia morar naquela parcela, porque a qualquer momento minha boca poderia amanhecer cheia de formiga. Tranquilo, eu só nasci uma vez e com certeza eu vou morrer, mas tem uma coisa: desistir do meu direito que eu já tenho conhecimento eu não vou desistir.
A gente vê porque eles são tão justiceiros, querem ser acima de tudo, porque eles não são punidos pelos seus atos. Por isso que eles continuam dessa maneira. Porque as autoridades não têm tomado suas providências para averiguar essas situações dando direito ao trabalhador, à trabalhadora, ou seja, ao cidadão. A gente vê que as autoridades são muito lentas e terminam dando oportunidade para que aconteçam atos como muitos assassinatos de famílias de trabalhadores. Porque os ricos, os fazendeiros, os que dizem fazer justiça com as próprias mãos, não têm punição.
A área hoje encontra-se num conflito feio. As famílias encontram-se amedrontadas porque tem vários pistoleiros dentro da área. São vários disparos de arma, várias queimas de barraco, vários prejuízos, várias perseguições. As crianças todas sofrem terrores, são atemorizadas, porque constantemente são assustadas com disparo de armas. E eles andam bem armados. Então, a gente fica lá protegido somente por deus.
A gente vive lá sabendo que tem o direito de viver, mas correndo risco de vida. A gente tem muito medo, a gente teme pela vida da família. Algumas vezes, dependendo do acontecido, a gente pensa em desistir e voltar pra cidade, porque não tem aonde ir. A gente pensa duas vezes porque voltar pra cidade é voltar pra juquira, voltar pras mãos dos fazendeiros novamente. É voltar pras mãos da escravidão, do trabalho escravo. Então a gente pensa em não desistir, a gente volta atrás, porque lá é onde a gente consegue criar, plantar e colher e sobreviver.
A luta pela terra pra mim hoje é um direito do trabalhador. Direito de dignidade, direito de viver, de trabalhar e também da libertação, ser liberto do trabalho escravo, viver uma vida digna, poder plantar, colher, sobreviver, sem precisar de estar sendo obrigado, sendo mandado, sendo gritado, trabalhando sem poder.
Hoje eu tenho meu paiol de arroz, tenho meu paiol de feijão, tenho minha criação de galinha. Hoje, a gente já vive 90% independente da cidade. Hoje, só depende do açúcar, do café, do óleo e outros temperos, outras coisas mínimas. Mas, numa linguagem sertaneja, o grosso da roça a gente já tem no paiol. Isso sem nenhum apoio do governo, simplesmente com o esforço da gente, esforço que a gente mesmo trabalha. Mesmo com todas as ameaças.
Apesar de ser vítima de um alvo perigoso de morte, eu considero minha vida melhor porque eu trabalho à vontade. Conforme a minha necessidade, eu tenho pra comer à vontade, tenho com sobra, com fartura. O dia que não posso trabalhar porque estou sentindo uma dor de cabeça, hoje minha coluna está zangada, eu posso ficar em casa. Tenho o que comer em casa, tenho o que beber em casa. Não preciso me preocupar que tenho que pagar o armazém, o armazém não quer mais me vender, ou o arroz está acabando tem que ir comprar. Não me preocupo com esta parte. Então eu tenho achado grande mudança na minha vida. Apesar de todo conflito, tenho achado grande melhoria.
O Valdeni realmente foi um personagem que antes era uma figura, ou seja, um desenho, e hoje se tornou realidade. Porque antes ele passava pela vida. Hoje, o Valdeni vive a vida. Hoje, tem um conhecimento mais amplo. Hoje, já tem o conhecimento do que é viver a vida, que a vida não é só passar por ela. A vida foi feita pra viver, com liberdade, com direitos. A vida foi feita pra viver ela disponivelmente, ter seu direito de viver tranquilo. A vida não foi feita pra viver escravizado. Porque, segundo as escrituras, a vida é uma dádiva de Deus. A vida foi dada por Deus e Deus deu a vida de graça. Então, se ela foi dada de graça, é pra viver em liberdade.
Eu posso contar como um novo nascimento a partir primeiro da minha cura, da minha libertação: deus me libertou. Tive esse novo nascimento, acompanhado depois que tive conhecimento dos meus direitos. Eu fui conhecedor que tinha direito de viver tranquilo, meu direito de trabalhar pra viver, viver igualmente qualquer outro cidadão. Eu tinha esse direito. A vida não era normal viver daquela maneira. É um pouco assim.
O fim do MST ou o fim da ética no jornalismo brasileiro
Da Secretaria Nacional do MST
A revista IstoÉ publica na capa da edição desta semana um boné do MST bem velho e surrado, sob terras forradas de pedregulhos. Decreta na capa “O fim do MST”, que teria perdido a base de trabalhadores rurais e apoio da sociedade. Premissa errada, abordagem errada e conclusões erradas.
A mentira
A IstoÉ informa a seus leitores que há 3.579 famílias acampadas no Brasil, das quais somente 1.204 seriam do MST.
A revista mente ou equivoca-se fragorosamente. E a partir disso dá uma capa de revista.
Segundo a revista, o número de acampamentos do MST caiu nos últimos 10 anos. E teria chegado a apenas 1.204 famílias acampadas, em nove acampamentos em todo o país.
Temos atualmente mais de 60 mil famílias acampadas em 24 estados.
Levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) aponta que há 156 mil famílias acampadas no país, somando todos os movimentos que lutam pela democratização da terra.
A revista tentou dar um tom de credibilidade com as visitas a uma região do Rio Grande do Sul, onde nasceu o Movimento, e ao Pontal do Paranapanema, em São Paulo.
Se contassem apenas os acampados nessas duas regiões, chegariam a um número bem maior do que divulgou.
A reportagem poderia também ter ido à Bahia, por exemplo, onde há mais de 20 mil famílias acampadas que organizamos.
O repórter teve oportunidade de receber esses esclarecimentos e até a lista de acampamentos pelo país.
Mas não quis ou não fez questão, porque se negou a mandar as perguntas por e-mail para o nosso setor de comunicação.
Outra forma seria perguntar para o Incra ou pesquisar no cadastro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
Tampouco isso a IstoÉ fez.
Se foi um erro, além de incompetente, a direção da IstoÉ é irresponsável ao amplificá-lo na capa da revista.
Se não foi um erro, há mais mistérios entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia, como escreveu William Shakespeare.
O desvio
A IstoÉ se notabilizou nos últimos tempos nos meios jornalísticos como uma revista venal. A revista é do tipo “pagou, levou”. Tanto é que tem o apelido de "QuantoÉ".
Governos, empresas, partidos, entidades de classe, igrejas (vejam a capa da semana anterior) compram matérias e capas da revista. E pagam por quilo, pelo “peso” da matéria.
A matéria da IstoÉ não é fruto de um trabalho jornalístico, mas de interesses de setores que são contra os movimentos sociais e a Reforma Agrária.
Não é de se impressionar uma vez que a revista abandonou qualquer compromisso com jornalismo sério com credibilidade, virando um “ativo” para especuladores.
Nelson Tanure e Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, banqueiro marcado por casos de corrupção, disputaram a compra da revista em 2007.
Com o que esses tipos têm compromisso? Com o dinheiro deles.
Reação do latifúndio
A matéria é uma reação à nossa jornada de lutas de agosto.
Foram mobilizados mais de 50 mil trabalhadores rurais, em 20 estados.
Um acampamento em Brasília, com 4 mil trabalhadores rurais, fez mobilizações durante uma semana e ocupou o Ministério da Fazenda para cobrar medidas para avançar a Reforma Agrária.
A jornada foi vitoriosa e demonstrou a representatividade social e a solidez das nossas reivindicações na luta pela Reforma Agrária.
O governo dobrou o orçamento para a desapropriação de terras para assentar 20 mil famílias até o final do ano, liberou o orçamento para cursos para trabalhadores Sem Terra, anunciou a criação de um programa de alfabetização e a criação de um programa de agroindústrias.
Interesses foram contrariados e se articularam para atacar o nosso Movimento e a Reforma Agrária. Para isso, usam a imprensa venal para alcançar seus objetivos.
Os resultados da jornada e a reação do latifúndio do agronegócio, por meio de uma revista, apenas confirmam que o MST é forte e representa uma resistência à transformação do Brasil numa plataforma transnacional de produção de matéria-prima para exportação e à contaminação das lavouras brasileiras pela utilização excessiva de agrotóxicos.
A luta vai continuar até a realização da Reforma Agrária e a consolidação de um novo modelo agrícola, baseado em pequenas e médias propriedades, no desenvolvimento do meio rural, na produção de alimentos para o povo brasileiro sem agrotóxicos por meio da agroecologia.
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Camponeses são os mais afetados por pobreza extrema no Brasil, aponta Ipea
Os camponesas são o grupo social mais atingido pela pobreza extrema no Brasil, revela estudo divulgado nesta quinta-feira (15) pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). Entre as famílias consideradas “extremamente pobres”, 36% tinham como fonte de renda, em 2009, a produção agrícola.
58% dos brasileiros vivem com menos de R$ 465 por mês; "não pobres" são minoria
Apesar do crescimento da renda e a redução da pobreza nos últimos anos, a maioria dos brasileiros vivia, em 2009, com menos de um salário mínimo, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) divulgado nesta quinta-feira (14). De acordo com o órgão, a renda per capita mensal de 58% dos brasileiros (106,9 milhões) era, há dois anos, igual ou inferior a R$ 465 –salário mínimo da época.
No estudo, o Ipea dividiu os brasileiros com renda mensal inferior a R$ 465 em três grupos: “extremamente pobres” (com renda per capita até R$ 67), “pobres” (renda de R$ 67 a R$ 134) e vulneráveis (renda entre R$ 134 a R$ 465).
A população com renda per capita mensal superior a R$ 465 foi classificada como “não pobre” e representa 42% dos brasileiros (78 milhões de pessoas).
Para o Ipea, os principais fatores que levam os camponeses à pobreza são, pela ordem, o pequeno tamanho de suas terras; a baixa disponibilidade de insumos agrícolas, especialmente de água; a falta de assistência técnica; e os baixos preços pagos pelos seus produtos.
Ainda entre os extremamente pobres, 32% do grupo era composto por famílias que têm como fonte de renda trabalhos informais, sem registro em carteira; 29% por famílias desempregadas; e 3% por famílias com pelo menos um trabalhador formal.
Na faixa dos “pobres”, o maior grupo é o de famílias que vivem do trabalho informal (45%), seguido das famílias que tem ao menos um trabalhador formal (23%) e das famílias camponesas (21%).
Já entre os “vulneráveis”, 56% das famílias têm algum trabalhador formal e 29% tem como fonte de renda o trabalho informal. No grupo de “não pobres”, o percentual de famílias com algum trabalhador formal sobe para 75%, e o de famílias camponesas não passa de 3%.
Nordeste concentra pobreza
O estudo apontou ainda que mais de 30% dos extremamente pobres moram na zona rural de pequenos municípios do Nordeste. Outros 20% desse grupo vivem na área urbana das pequenas cidades nordestinas. Cerca de 10% dos extremamente pobres estão nas áreas urbanas das grandes cidades do Nordeste e outros 10% nas cidades grandes do Sudeste.
O Ipea é uma fundação pública federal vinculada ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil.
assentados do MST colhem mais de 7 mil toneladas de arroz organico no RS
Agricultores planejam expansão do cultivo para outras áreas do Estado
Nestor Tipa Júnior | nestor.junior@rdgaucha.com.br
Este ano, os assentados da reforma agrária do Rio Grande do Sul colheram 7,5 mil toneladas do arroz agroecológico. O cultivo foi feito em 2,5 mil hectares e rendeu mais de 150 mil sacas. As lavouras atingiram novas áreas, como o assentamento Madre Terra, localizado em São Gabriel, e a lucratividade foi 30% acima do produto convencional
O presidente da Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs), Émerson Giacomelli, avalia que mesmo, com a crise de preços no setor, os agricultores que optaram pelo cultivo do orgânico tiveram renda.— Apesar da atividade da cultura do arroz passar por uma grande crise econômica, nós que produzimos arroz orgânico conseguimos manter a renda da família e continuar na atividade. Apesar de ter diminuído a renda, por ter um mercado diferenciado conseguimos manter um preço bom para as famílias — ressalta.
O início do próximo plantio está previsto para setembro com expectativa de envolver 340 famílias e com área total de mais de 3,2 mil hectares. Os técnicos orientam os produtores que realizem ajustes, como a diminuição do tempo de colheita. Eles explicam que períodos muito longos aumentam a taxa de secagem do grão ainda na lavoura, o que ocasiona perda de rendimento. RÁDIO GAÚCHA
A concentração de terras no Brasil. Entrevista especial com Gerson Luiz Mendes Teixeira
Segundo dados recentes do Incra, a região sul do Brasil (e não a Amazônia) foi a que apresentou o maior incremento no número de grandes propriedades improdutivas. A informação é do engenheiro agrônomo Gerson Luiz Mendes Teixeira, que desenvolveu um estudo com o objetivo de realizar um cotejo entre os perfis das estruturas fundiárias do Brasil de 2003 e de 2010, retratados nas respectivas atualizações das Estatísticas Cadastrais do Incra. Os dados obtidos, segundo Gerson, “demonstram a falácia dos argumentos dos ruralistas sobre a necessidade de mudanças no Código Florestal para liberação de áreas para a expansão do agronegócio”. E continua: “uma vez atualizados os índices de produtividade, conforme determina a lei, teremos uma enorme ampliação do estoque de imóveis passíveis de desapropriação”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Gerson traz dados alarmantes sobre a questão da terra no país, entre eles a informação de que “contabilizamos, no Brasil, 69,2 mil grandes propriedades improdutivas, com área equivalente a 228,5 milhões de hectares”.
Engenheiro agrônomo, Gerson Teixeira é ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA e integrante do núcleo agrário do Partido dos Trabalhadores.
IHU On-Line – O que de principal aconteceu na estrutura fundiária brasileira nessa década a partir do seu estudo dos dados cadastrais 2010 do Incra?
Gerson Luiz Mendes Teixeira – O estudo visou realizar um cotejo entre os perfis das estruturas fundiárias do país de 2003 e de 2010, retratados nas respectivas atualizações das Estatísticas Cadastrais do Incra. Confiando nas apurações dessa autarquia, cada vez mais qualificadas e livres de inconsistências, os dados apontam a possibilidade de ter ocorrido, nesse período, um importante, ainda que localizado, processo de agravamento da concentração de terra, acompanhado do incremento dos níveis de ociosidade da grande propriedade. Esse indício de agravamento da concentração é percebido fundamentalmente (mas não exclusivamente) na Amazônia Legal, região de expansão das fronteiras agropecuária, mineral e energética. Contudo, o aumento de 18,7% verificado no número de grandes propriedades improdutivas – aquelas passíveis de desapropriação para reforma agrária – ocorreu em todo o país. E mais: ao contrário do que se poderia supor, a região sul do Brasil (e não a Amazônia) foi a que apresentou o maior incremento no número de grandes improdutivas, no período, com 32%. No Norte, foi de 30%.
Esses dados demonstram a falácia dos argumentos dos ruralistas sobre a necessidade de mudanças no Código Florestal para liberação de áreas para a expansão do agronegócio. E, também, que o instrumento de desapropriação para fins de reforma agrária é aplicável em qualquer região do país, a despeito da enorme e injustificável defasagem dos parâmetros que orientam os cálculos dos graus de utilização e de eficiência dessas áreas. Uma vez atualizados os índices de produtividade, conforme determina a lei, teremos uma enorme ampliação do estoque de imóveis passíveis de desapropriação. Para que se tenha ideia, tomando-se os dados de 2010, contabilizamos no Brasil, 69,2 mil grandes propriedades improdutivas, com área equivalente a 228,5 milhões de hectares. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, há 94 milhões de hectares com matas e ou florestas naturais (incluindo-se 50,2 milhões de terras destinadas às Áreas de Proteção Permanentes e Reservas Legais). Subtraindo-se toda a área com matas e florestas naturais (não apenas das grandes) da área total das grandes porções improdutivas, conclui-se que haveria no Brasil uma área improdutiva, dentro das grandes propriedades improdutivas, pelo menos 134 milhões de hectares.
IHU On-Line – O senhor afirma que se agravou a concentração de terras no Norte do país, particularmente na Amazônia, mas nessa região o histórico já não é de grande concentração. Como, e a partir de que dinâmica, isso se agravou ainda mais?
Gerson Luiz Mendes Teixeira – Regra geral no Brasil como um todo, o histórico é de concentração. Na Amazônia, o quadro é superlativo em função da combinação de vários fatores, tais como as dimensões geográficas; as particularidades históricas dos padrões de ocupação ditados até por razões da geopolítica dos governos militares do ciclo de 1964; a inexistência histórica de regulação e controle públicos; e, no período recente, as circunstâncias internas e externas que balizam a expansão da fronteira agropecuária naquela região.
De 2003 para 2010 houve uma verdadeira corrida pelo cadastro de terras na região norte, no caso. A área total cadastrada saltou de 89 milhões para 170 milhões de hectares. Nesse processo, enquanto as áreas cadastradas das pequenas e médias propriedades cresceram, respectivamente, 16% e 33%, a área das grandes propriedades subiu 133%. Estas detinham 61% da área total dos imóveis da região, em 2003, e passaram a controlar 75% em 2010. E, teoricamente, era para ter sido o contrário, pois o Programa Terra Legal seria um estímulo ao cadastramento das áreas de posse, porque, em tese, só alcança as pequenas e médias. Por trás desse fenômeno, destacaria fatores específicos e gerais. Entre os particulares apontaria a fragilidade da presença pública e dos controles sociais que facilitariam a apropriação pelo grande capital de terras públicas e privadas, e a importância estratégica da região na esfera global.
Ao mesmo tempo, alimenta esse processo o rebatimento, naquela região, da "opção brasileira", reforçada nos anos recentes, pela transformação do país em um grande protagonista no comércio internacional de commodities minerais e agrícolas, incluindo os agrocombustíveis. No caso agrícola, integram as medidas nessa direção o expressivo reforço às políticas de estímulos creditícios, tributários e fiscais para a agricultura produtivista; os incentivos para a atração de capital externo para segmentos nobres do agronegócio; e os estímulos para a criação de empresas brasileiras de “classe mundial”.
Ao mesmo tempo e associadamente, o referido processo incita as repercussões fundiárias da procura de terras no país pelo capital externo, movida (I) pela aposta no mercado global do etanol; (II) para os investimentos das "papeleiras"; (III) pelo estado de vulnerabilidade da oferta alimentar por conta de sistemáticas quebras de safra em todo o mundo, provavelmente já refletindo os efeitos das mudanças climáticas; e (IV) pelas apostas na atratividade dos instrumentos de mercado decorrentes dos acordos no âmbito da COP do Clima.
Particularmente, penso que o capital externo tem tido participação notável nesse processo de reconcentração. Infelizmente, não temos dados concretos para sustentar essa impressão, por culpa, principalmente da Advocacia Geral da União – AGU. Em 1994, a AGU emitiu parecer concluindo pela recepção parcial, pela Constituição de 1988, da Lei n. 5.709/71, que regula a aquisição de terras por estrangeiros. Desde então, até 2010, com a revisão desse parecer, determinada pelo presidente Lula, o país teve um apagão no controle do processo de apropriação do território do país por grupos estrangeiros. Não temos ideia da dimensão da estrangeirização da terra no Brasil.
IHU On-Line – O senhor diz que se assiste a uma corrida pela terra e pelos bens ambientais por parte do capital estrangeiro. Exatamente, que tipo de terra interessa a esse capital e quais são os bens ambientais que procuram?
Gerson Luiz Mendes Teixeira – Com a crise climática e ambiental, biodiversidade, terra e água assumem significados cada vez mais estratégicos em escala global. O Brasil, em especial a Amazônia, é abundante nesses recursos, cujos controles passam pelo controle da terra. O próprio Banco Mundial alertou os países da África e América Latina sobre a tomada de terras em curso pelo capital internacional nessas regiões, com forte presença do capital financeiro. Mais ostensivamente, a China, por meio de estatais, tem adquirido milhões de hectares de terra no Brasil (e em outros países da América Latina e África), ou efetivado contratos com produtores locais, para garantir a segurança alimentar da sua população. Fornecemos terra, água, e alimento, com subsídios da Lei Kandir, para garantir a oferta de alimentos aos chineses. Nada contra dispormos das nossas riquezas naturais para contribuir com a segurança alimentar mundial, desde que priorizando as relações com as nações mais pobres e, sob condições internas de sustentabilidade, controle soberano do nosso território e sem alimentar a especulação e a concentração fundiária, entre outras anomalias.
IHU On-Line – O modelo econômico determina também a dinâmica da estrutura agrária no país?
Gerson Luiz Mendes Teixeira – É o determinante de última instância, principalmente quando o modelo está direcionado para a sustentação de uma economia de base excessivamente primário-exportadora.
IHU On-Line – Os ruralistas afirmam que o estoque de terras para fins de Reforma Agrária no Sul e no Sudeste se esgotou. Os dados das Estatísticas Cadastrais do Incra de 2010 corroboram essa afirmação?
Gerson Luiz Mendes Teixeira – Tentei demonstrar o equívoco, ou manipulação, dessa afirmação.
A ideia de que a pequena propriedade está perdendo força e espaço na estrutura agrária brasileira não se confirma pela análise dos dados.
IHU On-Line – Quais são as principais conclusões sobre os dados do minifúndio e da pequena propriedade, tendo-se o quadro comparativo 2003/2010?
Gerson Luiz Mendes Teixeira – Especificamente pelos dados do Cadastro do Incra, tem-se que, em todo o Brasil, comparando 2003 com 2010, somente as grandes propriedades ampliaram a participação das suas áreas nas áreas totais dos imóveis rurais. Passaram de 51%, para 58%. A participação da área das pequenas declinou de 18% para 15,6%; e das médias, de 21% para 20%. A participação da área dos minifúndios também diminuiu de 9,4% para 8,2%, mas o número dessa categoria aumentou 21%. Na síntese, temos elementos para suspeitar que a questão agrária brasileira foi exacerbada. Os indícios de fragilização da pequena propriedade nos levam a indagar a razão para tal. Avalio como de singularidade histórica, em termos internacionais, a obstinação dos governos Lula para a inclusão da agricultura familiar entre os objetivos das políticas públicas. Após séculos de exclusão, foi preciso um trabalhador na presidência para dar um basta nessa segregação. Somas fabulosas de recursos passaram a ser destinadas pelo governo para o fortalecimento da agricultura familiar, em crédito à produção, sustentação de preços, mercados institucionais, etc. Todavia, entre as aspirações do presidente e o seu objeto final, tivemos formuladores e operadores das políticas com as cabeças voltadas para um processo de modernização conservadora desse segmento, nos mesmíssimos padrões daquele que balizou a modernização do latifúndio, e em absoluto antagonismo com as especificidades de organização e cultura da agricultura camponesa. Não é à toa que a taxa de inadimplência dos miniprodutores na região norte do Brasil exceda aos 90%.
IHU On-Line – É correta a afirmação de que o agronegócio cada vez mais se concentra principalmente na média propriedade? As inovações tecnológicas têm sido decisivas para essa dinâmica? Produzir mais depende cada vez menos da área agricultável?
Gerson Luiz Mendes Teixeira – Para a confirmação da previsão contida no seu questionamento, ainda temos que demonstrar, de fato, a excelência produtiva do agronegócio. Os dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO, referentes ao ano de 2009, não confirmam as pregações acerca da excelência dos padrões técnicos do agronegócio brasileiro. Na média de todos os cereais, a produtividade no Brasil em 2009 foi de 3.526 Kg/Ha, o que colocou o país no 56º posto em termos globais. Na pecuária de corte, o nosso índice médio de produtividade, expresso em peso da carcaça, de 220 Kg/Animal, posiciona o país na 48ª colocação em todo o mundo.
