Reforma Agrária não conseguiu avançar durante os oito anos de PT porque
o governo optou por não enfrentar o agronegócio, afirma Bernardo Mançano
Fernandes, professor da UNESP, Coordenador do Núcleo de Estudos, Pesquisas
e Projetos de Reforma Agrária.
Leia abaixo a entrevista concedida à Página do MST
Página: Quais as características da política fundiária do governo Lula?
Bernardo Mançano Fernandes (BMF): Nestes oito anos, ficou evidente que a política agrária do governo Lula foi a regularização fundiária, a
desapropriação e políticas de compra e venda de terras. Também atuou
intensamente no aproveitamento das áreas de assentamentos, assentando
famílias em todos os lotes vagos. Essas características formaram novos
componentes para o conceito de Reforma Agrária.
Página: Qual foi o papel do Incra durante o governo Lula? Você acha que os instrumentos legais do instituto são eficientes?
BMF: O Incra cumpriu com a política fundiária do governo e não conseguiu
avançar nas desapropriações porque o Poder Judiciário é hoje a
principal barreira a este componente da Reforma Agrária. A eficiência dos
instrumentos é relativa porque depende de outros fatores, mas sem dúvidas
que um deles necessita ser mudado que é o índice de produtividade, sem a
mudança deste critério, a Reforma Agrária não avança.
Página: Quais instrumentos legais poderiam ser criados para ajudar na
desapropriação de terras?
BMF: Além da atualização do índice de produtividade, a questão
ambiental, o trabalho escravo e o desemprego são três temas de
referências para o avanço da Reforma Agrária. A exploração monocultora
em grande escala tem causado diversos problemas ambientais. A recuperação
dessas áreas é possível com a produção agroecológica em pequena
escala com trabalho familiar. O trabalho escravo é uma excrescência e
precisa ser expurgado com a expropriação da terra para ser destinada a
Reforma Agrária.
Página: Durante o primeiro governo Lula, havia um elevado número de
famílias acampadas. Por que no segundo governo, o número de famílias acampadas diminuiu? Você acha que houve uma política de desmobilização por parte do governo?
BMF: A desmobilização aconteceu por causa da política do Programa Bolsa
Família, pois algumas famílias passaram a ter mais opções de
sobrevivência e decidiram não lutar pela terra. Por outro lado, os
movimentos camponeses não souberam trabalhar com esta nova realidade. Este decréscimo é uma situação conjuntural, o número de famílias na luta
pela terra pode aumentar. Para isso, as condições de vida nos
assentamentos precisam ser melhor que a vida que estas famílias que vivem
de ajuda do governo levam nas periferias das cidades. A mobilização
ocorre quando as pessoas têm perspectiva de vida melhor.
Página: Por que a maior parte dos assentamentos foi feito na Amazônia, já que a maioria dos acampados estão no Sul e Nordeste do Brasil?
BMF: Porque o governo optou prioritariamente pela política de
regularização fundiária. Assentar no Centro – Sul significa enfrentar
mais diretamente o agronegócio. O governo não tem interesse e os
movimentos não tem força política para esse enfrentamento. Esta pergunta
recoloca a questão da Reforma Agrária. Para o governo Dilma, necessitamos
do III PNRA que tem que contemplar os diferentes componentes das
experiências de Reforma Agrária dos últimos 25 anos. Este desafio está
colocado para o governo e aos movimentos. Mas até o momento ninguém tocou
no assunto.
