A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A presente análise toma como referência as "Notícias" publicadas de 21 de maio a 03 de junho de 2008 e das revistas do IHU n. 259 e n. 260. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Sumário:
Amazônia e Povos Indígenas
– A Amazônia foi parar no centro do Brasil
– Desmatamento não pára de crescer
– Agrava-se dívida social com os povos indígenas
SUS completa 20 anos. Uma conquista da sociedade brasileira
– Universalização, Integralidade, Descentralização e Participação. Princípios do SUS
– Os limites do SUS e a sua origem
– Emenda 29
– O filme $.O.$. Saúde e o SUS brasileiro
Nanotecnologias
– Nanotecnologias. Progresso ou aventura trágica?
– Possibilidades incríveis e riscos altíssimos
– Uma sociedade pós-humana?
– De Homo Faber para Homo Creator. A ameaça do nosso tempo
– Pós-humano e pós-humanismo. Outra interpretação
A Amazônia foi parar no centro do Brasil
Desde sempre periférica às grandes discussões sobre o Brasil, de repente a Amazônia foi parar no centro das atenções, inclusive internacionais. Ela está no epicentro de grandes interesses econômicos, de desenvolvimento e ambientais. A região concentra grande riqueza em recursos naturais: abundância de água doce, biodiversidade, floresta, ar puro… Há mesmo quem já estipulou um preço para a Amazônia: 50 bilhões de dólares para a compra da floresta. Um absurdo, pois significa a total mercantilização da natureza.
São, ao menos três as questões que colocam a Amazônia no centro do debate: o desmatamento, a construção de hidrelétricas e a Reserva Raposa Serra do Sol. As problemáticas não devem ser vistas de maneira estanque, isolada; pelo contrário, elas refletem um conjunto em que atores e interesses – contraditórios – interagem, como veremos nesta análise.
Convém destacar o papel do governo neste contexto. O Governo Lula mostra dificuldades em lidar com a questão ecológica, questão nova para a qual dá sinais de não estar preparado. Ao mesmo tempo, no conflito escancarado na Reserva Raposa Serra do Sol deve-se lembrar que se chegou a isso graças à ineficiência e inoperância do governo de cumprir a lei, isto é, de retirar os fazendeiros da área no tempo estabelecido.
Desmatamento não pára de crescer
Os novos dados oficiais sobre o desmatamento na Amazônia indicam a retomada da destruição da floresta nos últimos meses, depois de uma queda de três anos consecutivos. Ou seja, neste ano já se tirou mais floresta do que em todo o ano de 2007. Foram 5.850 km2 derrubados entre agosto de 2007 e abril de 2008. Deve-se lembrar que o ano é contado de agosto a julho.
Mato Grosso é o Estado que mais floresta pôs no chão. Só no mês de abril, foram desmatados 1.123 km2, 749 km2 dos quais no Mato Grosso, seguido de Roraima, onde foram derrubados 284 km2. Colhe-se o que se plantou”, disse o diretor da organização Amigos da Terra, Roberto Smeraldi. “Você aumenta a exportação de ferro-gusa com carvão de floresta nativa, triplica os frigoríficos, titula ocupações de até 1.500 hectares, licencia obras ilegais e ainda não cobra as multas: depois espera o quê? Considerando que só há dados sobre Mato Grosso e Roraima, a tendência é de termos um ano entre os piores, voltando à casa dos 20 mil km2 (desmatados por ano).”
Mato Grosso é o Estado governado por Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do mundo e veemente defensor dos interesses do agronegócio e favorável ao desmatamento. Para ele, há uma incompatibilidade entre floresta e desenvolvimento. Outro dia, Maggi afirmou que “não se faz agricultura ou pecuária sem retirar a floresta. Essa é a grande verdade". Disse também: "Aqueles que vivem nas cidades se esqueceram de onde vem o frango, esqueceram de onde vem a carne. Eles acham que tudo aquilo nasce pronto lá na gôndola do supermercado. Que o Danoninho, o iogurte, nasce ali. Eles já não sabem mais que o leite tem que sair de uma vaca, criada em um lugar que já foi floresta".
Esta visão de desenvolvimento que se faz às custas do meio ambiente, aliás, não é só argumento de Maggi, mas é compartilhada com outros setores dentro do governo federal, como é o caso do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, como veremos mais abaixo. Esse modelo de desenvolvimento contrasta com aquele defendido pelos povos indígenas, por parcela de pequenos agricultores, pelos produtores agroecológicos, pelos defensores da reforma agrária.
“O problema é que há um conflito de modelo. Maggi agora defende abertamente uma plataforma que é um suicídio para o país e para o próprio agronegócio. Ele defende o avanço da fronteira agrícola até sobre a Amazônia. Lá é a nossa grande caixa d’água. Declarações como a de Maggi só incentivam o agricultor a desmatar. É como se desse uma licença política para desmatar. Na Amazônia nós temos um vácuo de governança, uma ausência do estado”, justifica Marcelo Furtado, engenheiro químico e diretor de campanhas do Greenpeace.
À luz dessa perspectiva, o secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Luís Henrique Daldegan, culpa os índios por parte dos desmatamentos em seu estado, que fariam rituais com fogo e causariam incêndios nas áreas de floresta. “Eles mesmos (os indígenas) colocam fogo na mata, durante os seus rituais. Isso é uma realidade de lá (de Mato Grosso)”, disse o secretário. Por outro lado, admite o avanço da fronteira agrícola como fator preponderante pelo desmatamento.
O fato é que cerca de 17% da floresta amazônica foi derrubada nos últimos 20 anos, o que representa 4 milhões de km2. Para se ter uma idéia, isso significa uma área equivalente aos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Diante disso, o governo federal acena com iniciativas no mínimo problemáticas para solucionar o problema.
Na semana passada, o ministro Carlos Minc anunciou que o governo vai destinar R$ 1 bilhão para recomposição de reservas legais na região. Na prática, o governo vai conceder crédito, a juros de 4% ao ano, segundo Minc, aos produtores que desmataram além do permitido pela legislação, e que agora são obrigados a recompor a floresta. Ou seja, já lucraram com o desmatamento e agora ganham dinheiro público a juros reduzidos para refazer o estrago que eles mesmos produziram. Não seria também isso um estímulo para o desmatamento?
Mas, as contradições não param por aí. O ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, que defende abertamente os interesses do agronegócio, quer a revisão da ampliação da chamada Amazônia Legal, que ampliou a lista de municípios incluídos no bioma amazônico e que terão restrições ambientais. Quer também a revisão de um Decreto (6.321/07, do Meio Ambiente) que relaciona 36 municípios da Amazônia Legal, 19 deles em Mato Grosso, como responsáveis pelo aumento do desmatamento na região. Segundo o Decreto, produtores destes municípios que tenham desmatado acima do permitido não terão direito a crédito oficial.
Outra polêmica foi criada por conta de uma resolução do Banco Central, segundo a qual o órgão só autoriza o acesso a crédito oficial na Amazônia, a partir de 1º de julho, a agricultores e pecuaristas que apresentarem licença ambiental. Nota técnica preparada pelo Meio Ambiente relaciona a oferta de crédito rural público nos 557 municípios do bioma ao aumento do desmatamento. "A oferta crescente de crédito rural sem a adoção de mecanismos de monitoramento pelos órgãos ambientais pode induzir ao crescimento ou à manutenção de taxas elevadas de desmatamento", diz a nota.
Com o chamado “crédito verde” estão em jogo cerca de R$ 3 bilhões, o volume de dinheiro repassado por ano a agricultores e pecuaristas nos municípios do bioma Amazônia (65% dos municípios da Amazônia Legal), segundo dados mais recentes do Banco Central.
Diante da pressão exercida pelo ministério da Agricultura e também pelo governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, grande produtor de soja daquele Estado e representante dos interesses do setor, o governo federal afrouxou. Não agüentou o embate e flexibilizou a medida excluindo da sanção todas as propriedades que ocupam áreas de cerrado.
O governo diz que não cedeu às pressões e o governador Maggi se diz não totalmente satisfeito com a nova resolução. Segundo o novo ministro Carlos Minc, a proibição vale para o bioma amazônico. No entanto, Ongs e especialistas criticam seriamente o fim das restrições aos produtores do bioma cerrado. Esta medida é importante, pois representa a primeira grande decisão do ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, que apenas tomou posse.
Para a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a atitude de resistência e de oposição às medidas restritivas tomada por seu ministério por parte do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, um dos “heróis” de Lula, é responsável pelo aumento do desmatamento na região, ao mesmo tempo que significou uma atitude de “desobediência civil”.
O anúncio de Carlos Minc foi recebido com cautela e preocupação por ambientalistas do mundo inteiro. A demissão de Marina Silva e a indicação de Minc são recebidos como sinal de que a questão ambiental não vem sendo tratada com prioridade pelo governo brasileiro. Pesa contra ele a fama de que teria acelerado a concessão de licenças ambientais durante sua gestão como secretário de Meio Ambiente no Rio – algo visto como positivo por alguns e com receio por outros. Ele, no entanto, se defende dizendo que não será um “carimbador maluco” de licenças ambientais.
Sua política ambiental se resumirá no seguinte mote, extraído de música: “Nos entendemos muito bem, e a nossa música é ‘Dois pra lá, dois pra cá’: duas licenças, dois parques ambientais. O desenvolvimento vai andar e a preservação ecológica também”. Minc se refere à sua relação com Blairo Maggi, com quem teve desentendimentos antes mesmo de tomar posse.
Minc aproveitou a posse para anunciar a criação de um fundo privado, com recursos nacionais e principalmente internacionais, para estimular ações de desenvolvimento sustentável na Amazônia. O fundo será administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e já teria uma doação inicial de US$ 100 milhões da Noruega. “Vamos trazer recursos para manter a floresta em pé. A lógica é a seguinte: todo mundo diz que a Amazônia é importante, todo mundo chora quando cortam uma árvore da Amazônia. Agora, temos 25 milhões de pessoas que vivem na Amazônia. E nós precisamos de recursos para essas pessoas sobreviverem com práticas sustentáveis”, disse.
O governo federal espera arrecadar US$ 1 bilhão já no primeiro ano de existência do Fundo Amazônia. “O dinheiro destinado ao Brasil será utilizado em ações de combate ao desmatamento, na promoção da conservação e do manejo sustentável da floresta”, disse Tasso Azevedo, diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente. As doações são voluntárias e podem ser feitas também por pessoas físicas. Em conseqüência de um orçamento minguado do Ministério e da perda de recursos, terá questão tão vital para o país e a humanidade que ser administrada com recursos procedentes da benevolência de pessoas ou de interesses de empresas? Parece mesmo não se tratar de uma política pública.
Aliás, Carlos Minc está dando declarações que o habilitam a sério candidato a “fanfarrão”. Diz-se disposto a prender os “bois piratas" que pastam em áreas embargadas da região amazônica. Que culpa têm eles por estarem aí? Teriam ido pastar aí por iniciativa própria? Neste caso, não seria o caso de prender os seus donos? Os bois que hoje se encontram na região são aproximadamente 80 milhões de cabeças. Recente levantamento bastante preciso realizado pelo IBGE revela que as pastagens já ocupam 7,8% da Amazônia Legal.
Marcelo Furtado resume bem essa política do governo: “O problema é que o governo Lula abriu mão da agenda ambiental. Com a saída de Marina, acenou que agora o negócio é crescimento sustentado, e não crescimento sustentável”.
Vem chamando a atenção a compra de gigantescas áreas de floresta por parte de estrangeiros, com a alegação de são áreas destinadas à preservação. Uma Ong inglesa – a Cool Earth –, com o patrocínio do milionário sueco Johan Eliasch, afirma que já foram comprados 37.100 acres de terra no Mato Grosso. O caso foi parar na Polícia Federal, que está investigando a compra de terras de Eliasch na Amazônia, que por sua vez nega a compra das terras.
“A Amazônia está em boa parte já privatizada a serviço dos mercados nacionais e internacionais de commodities agropecuárias e minerais”, disse Beto Ricardo, coordenador do Instituto Socioambiental (ISA). Entretanto, o governo federal não tem cadastro de quantas terras estão hoje nas mãos de estrangeiros.
Mas, como já informamos em outros momentos, a compra de terras por parte de estrangeiros não se restringe à Amazônia. Grandes extensões em todas as partes do Brasil são compradas por empresas multinacionais ou por pessoas físicas para a plantação de cana-de-açúcar e eucaliptos, principalmente, o que acionou uma disparada dos preços das terras em nosso país.
Agrava-se dívida social com os povos indígenas
Estreitamente relacionada a esta questão, está a que envolve os povos indígenas, autóctones da região amazônica. O Brasil e o mundo foram surpreendidos na última semana com notícias e imagens de tribos indígenas que vivem nas profundezas da floresta amazônica. Segundo a Funai, são 69 os grupos que vivem nessa situação no Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Roraima, Rondônia, Amapá, Tocantins e parte do Maranhão. Ainda segundo a Funai, há nove grupos que estão mais vulneráveis às ações predatórias, como os ataques de madeireiros. Eles estão em reservas em Mato Grosso, próximo à divisa com o Amazonas.
As imagens que correram mundo – índios nus, pintados para a guerra, disparando flechas com grandes arcos – vieram a público não por acaso. Elas querem chamar a atenção do mundo para o risco que correm algumas das últimas civilizações indígenas isoladas na selva brasileira. Madeireiros peruanos têm invadido a região, situada na fronteira com o Peru. Derrubam árvores, mas podem levar de roldão as tribos de índios que vivem próximo ao rio Envira. E acabar com elas antes que o mundo as conheça, como costuma acontecer com milhares de espécies animais e vegetais da Amazônia. "É preciso que a sociedade discuta se adotará uma política de preservação desses grupos ou de seu extermínio. É uma responsabilidade moral e política", avalia o antropólogo Gersem Luciano Baniwa, índio da etnia baniwa.
Há mais de 20 anos um grupo da Funai específico para indígenas isolados, sabe da existência desses aborígines, assim como de outros. “Sim, há uns 20 anos. Mas nunca os contatamos. Vai longe o tempo do marechal Rondon, quando a ordem era ‘pacificar’ os índios, integrando-os à sociedade branca. Desde os anos 80, nossa política é criar frentes de proteção étnica e ambiental, um nome comprido que pode ser resumido na seguinte situação: temos de protegê-los, sem que eles percebam. Sem contato. Uma missão difícil”, disse Elias Biagio, na Funai desde 1981.
A autorização para a divulgação das fotos partiu de Biagio e se dá num contexto bem específico: no momento em que avança o desmatamento e, conseqüentemente, aumenta a ameaça que pesa sobre esses indígenas isolados devido ao possível contato com os brancos. O contato pode ser desastroso, conforme revela a história de mais de 500 anos. “Quanto mais contato com os brancos, mais vulneráveis eles ficam. A doenças, à uma sociedade que não conhecem e que não os entende. Pressionamos pela criação de reservas onde eles possam viver, se alimentar, sem entrosamento com o mundo do consumo. Só assim sobreviverão”, conclui Biagio.
“Eles correm sério risco. Podem não desaparecer fisicamente, mas vão desaparecer culturalmente se a situação continuar como está. Sabemos de alguns índios isolados que sofrem pressão, mas não temos como acolher todas as demandas. Temos pouca gente e pouco dinheiro. Não são só os índios [que estão ameaçados], mas todo o povo da Amazônia, inclusive os brancos. Tudo é decidido no Sul maravilha, em Brasília, sem consultar o povo daqui. O pacote chega pronto, acham que somos um bando de idiotas e fazem um monte de trapalhadas. Tem que se desenvolver a Amazônia, mas com racionalidade. E os índios isolados são os mais fracos, porque dependem literalmente do ambiente onde vivem”, desabafa outro sertanista, José Carlos Meirelles.
Vê-se a preocupação em proteger esses povos indígenas do contato com os brancos e sua cultura, posto que pode significar a sua extinção física, ou ao menos a morte de sua cultura. Ou seja, os brancos somos perigosos!
O episódio do ataque do engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Resende é, na verdade, um capítulo a mais nessa longa história de agressão a que são submetidos os povos indígenas. Vários índios caiapós, liderados pela índia Tuíra Caiapó, atacaram com facões o engenheiro após sua palestra no Encontro Xingu Vivo para Sempre, na qual contrariara o palestrante anterior, o professor e ambientalista Osvaldo Sevá, muito querido pelos índios.
“O engenheiro se comportou de forma arrogante e incivil. Tratou a platéia de maneira paternalista, como se fosse composta por ignorantes e ingênuos. Os índios não têm muita tolerância para esse tipo de atitude. Sobretudo os caiapós. Eles não gostam de serem tratados como idiotas. O que me contaram é que o engenheiro tratou as pessoas mal, e foi maltratado”, disse o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. E acrescenta: “Talvez o que redima os índios, e o que os tem mantido vivos até hoje, seja o fato de não estarem excessivamente acostumados à humildade e à obediência e que ainda conseguem reagir”.
Os índios são contrários à construção da usina de Monte Belo, projeto do governo federal para dar continuidade à expansão da produção de energia elétrica. A resistência dos índios está obstruindo a avaliação do potencial hidrelétrico de quatro bacias da Amazônia, ao dificultar a entrada de técnicos em suas reservas.
A política do governo federal antepõe as questões econômicas e energéticas a uma política indigenista séria. “Quando se trata de índios, tudo é imposto goela abaixo, porque o Estado tem os meios para fazer valer sua opinião, até com o uso da força”, analisa Sydnei Possuelo, sertanista e ex-presidente da Funai.
A empresa Energia Sustentável do Brasil, que reúne Suez, Camargo Corrêa, Eletrosul e Chesf, vencedora da licitação da hidrelétrica de Jirau, anunciou que pretende deslocar em cerca de 9 km a construção da mesma. A empresa alega economia de 1 bilhão de reais e impacto ambiental menor. Para ambientalistas e índios, a mudança requer novos estudos.
Representantes de comunidades indígenas da região do rio Madeira (RO) pediram a intervenção da Procuradoria da República de Rondônia por novas audiências públicas sobre a instalação da usina de Jirau. Uma representação questionando a mudança da localização da hidrelétrica foi protocolada na sexta-feira. As comunidades indígenas argumentam que participaram de quatro audiências públicas para a discussão do projeto de Jirau e Santo Antônio e já haviam entendido e apresentado as reivindicações que consideraram justas. "Agora, se tem mudança, queremos participar de nova audiência para poder explicar para nosso povo", argumentam os indígenas na representação à Procuradoria.
Desde o início da crise na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, pelo menos 40 conflitos indígenas já pipocaram por vários estados, inclusive fora da Amazônia Legal. A tendência é o acirramento crescer, avaliam organizações indígenas e a própria Fundação Nacional do Índio (Funai). O motivo principal é a expansão das fronteiras agrícolas e o questionamento de direitos conquistados pelas minorias na Constituição, além da ausência do governo em áreas estratégicas, afirmam.
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi –, por sua vez, vai mais longe ao denunciar que está em curso uma rearticulação de extrema direita, ligada a militares da reserva e a grupos econômicos empenhados em acabar com as reservas. “Querem transformar o índio em camponês pobre ou sem terra, passando por cima de seu direito à cultura”, afirma o assessor do Cimi, Paulo Maldos.
SUS completa 20 anos. Uma conquista da sociedade brasileira
O Sistema Único de Saúde, o SUS, o maior programa de inclusão social do país completa 20 anos de existência. Hoje, cerca de 140 milhões de pessoas (70% da população brasileira) dependem exclusivamente do SUS como o seu único acesso aos serviços de saúde.
Antes da implementação do SUS, através da Constituição de 1988, tinha acesso à assistência médica apenas o trabalhador com carteira formal. “Aquele que não tinha um emprego regular ou era atendido pelas santas casas ou hospitais filantrópicos, fora as campanhas de saúde pública, ou precisava ir ao mercado de serviços de saúde pagando do próprio bolso para conseguir sua assistência”, comenta a professora e pesquisadora Sarah Escorel, da Fundação Oswaldo Cruz. Segundo ela, até então a saúde não era um direito de todos e nem um dever do Estado. Foi apenas com a implantação do SUS que a saúde passou a ser tratada como um direto de todos e um dever do Estado.
O maior mérito do SUS é o fato de que passou definitivamente a não ser pensada apenas como uma política de governo, mas de Estado, afirma a professora Sônia Fleury Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro. Segundo ela, “o que nós tentávamos fazer, ao construir o SUS, é que ele não dependesse da vontade, que não fosse uma política de governo, mas de Estado. Ou seja, todos governantes são obrigados a cumprir a determinação em relação a quantos recursos precisam colocar em prática”.
Universalização, Integralidade, Descentralização, Equidade e Participação. Princípios do SUS
O SUS como política de Estado instituí alguns princípios até então inéditos na política de saúde brasileira e configuram um sistema totalmente diferente e completamente inovador quando comparado com outros países. O médico e pesquisador da Fiocruz Paulo Gadelha destaca quais são: “O primeiro é o da universalização. O que antes era fragmentado (indigentes ou despossuídos ficavam com a filantropia, outros ficavam com a previdência) o sistema passa a unificar. O segundo é o da integralidade, de se trabalhar com todo o conjunto de ações necessário para se cuidar da saúde. O terceiro princípio é a descentralização, no sentido de atribuir a cada esfera da Federação um papel que implicava que o sistema, sendo único, era trabalhado através das pactuações, respeitando o princípio federativo, ao mesmo tempo definindo o âmbito de atuação de cada esfera”.
“Outro princípio fundamental, comenta ele, que cada vez mais tem sido trabalhado, é o da eqüidade, no sentido de que se trata de perceber as diferenças, do ponto de vista da produção e da determinação da saúde, dos perfis de saúde das populações e dos territórios, e de se ter ações que respondam diferentemente a essa demanda, principalmente naqueles casos em que não se pode aceitar a existência de condições de saúde que são perfeitamente evitáveis com os recursos hoje disponíveis”.
Há ainda um outro princípio importante que é o da participação. A formação de conselhos de saúde e das conferências de saúde como instâncias deliberativas.
Com o objetivo de discutir a situação atual do SUS, a partir dos 20 anos de sua história, a revista IHU On-Line dessa semana intitulada ‘SUS: 20 anos de cura e batalhas’ conversou com alguns especialistas e profissionais da área da saúde. É unânime entre eles o fato de que o SUS significou uma grande transformação nas políticas de saúde do país em que pesem todos os problemas.
O médico e escritor – mais conhecido como escritor -, Moacyr Scliar, define bem o sentimento aparentemente paradoxal do SUS: "Ruim com SUS, pior, mas muito pior, sem ele", diz. Segundo ele, “no balanço final, os benefícios do SUS ultrapassam em muito, mas em muito mesmo, as suas carências”. Para o escritor, “é o sistema de um país pobre, portanto tem muitas carências. Mas é mais igualitário que o sistema americano, por exemplo, que usa alta tecnologia, mas deixa milhões de pessoas sem qualquer assistência”.
Porém, engana-se quem pensa que o SUS é apenas para os pobres. Na opinião do professor Eugênio Vilaça Mendes, “segmentos sociais incluídos fazem uso regular de certos serviços, especialmente aqueles mais custosos, como medicamentos de prescrição em caráter excepcional, transplantes de órgãos, controle de HIV/Aids etc., bem como de outros bens públicos, como os serviços de vigilância em saúde”. A opinião é compartilhada por outros especialistas.
Segundo o professor da Unicamp Gastão Wagner, membro de corpo editorial das revistas Trabalho, Educação e Saúde e Ciência & Saúde Coletiva, “todos os brasileiros se utilizam do SUS, de modo direto ou indireto”. Segundo ele, “vale ressaltar que mesmo os brasileiros de classe média, ou com trabalho regular em grandes empresas e da elite – os 25% – também se valem de serviços do SUS em várias situações: transplante, tratamento de Aids, de transtornos mentais graves, câncer, terapia intensiva, entre outras”.
Na opinião do professor, “os privatistas consumados, hipocritamente, quando se referem ao corte em gastos públicos, não reconhecem esta dimensão coletiva do SUS. Apenas 25% dos brasileiros têm acesso a serviços privados de saúde. 75% somente contam com o SUS para realizar atenção à saúde: da simples consulta ao transplante de órgãos”. O SUS é um programa solidário e generoso, destaca o pesquisador da Fiocruz Paulo Gadelha
O curioso é que quem mais critica o SUS são aqueles que não utilizam. De acordo com Eugênio Vilaça Mendes, “pesquisa de opinião feita pelo Conass mostrou que 45,2% dos usuários exclusivos do SUS acham que o sistema funciona bem ou muito bem; já dos não-usuários, apenas 30,3% o avaliam como funcionando bem ou muito bem. O que permite concluir que quem avalia mal o SUS são as pessoas que não o utilizam”. E são aqueles que menos utilizam o SUS ou o utilizam em situações especiais, muita delas nas quais os planos de saúde privada não cobrem determinados exames é que encarecem o sistema, ou ainda quando o SUS realiza desembolso para instituições de saúde privadas.
Na avaliação de Vilaça Mendes, “o SUS foi concebido como um sistema público universal, à semelhança dos sistemas de saúde da Europa Ocidental e Canadá, mas que, na prática social, vem sendo implantado como um subsistema público de um sistema de saúde segmentado, que convive com dois subsistemas privados: o subsistema de saúde suplementar e o subsistema de desembolso direto”. Segundo ele, “os dados do Relatório Mundial da Saúde da OMS de 2008, recentemente publicados, mostram que o SUS consome apenas 44,1% dos gastos em saúde no país e os subsistemas privados, 55,9%. Assim, o sonho da universalização vem se transformando no pesadelo da segmentação”, afirma.
O subfinanciamento acontece, segundo o professor, por uma razão é simples: “os segmentados sociais melhor posicionados na estrutura social retiram-se, pelo menos parcialmente, do subsistema público, contratando planos privados e, por conseqüência, ele tende a se transformar num nicho de pobres. Infelizmente, nas sociedades com alto grau de exclusão, os pobres têm dificuldades de articular organicamente seus interesses e de vocalizá-los nos grandes centros decisórios. Isso permite manter subfinanciado o sistema público, como é o caso do SUS”.
Mesmo assim, destaca Vilaça Mendes, há avanços a comemorar nesses 20 anos de SUS. Em geral, diz ele, “houve um incremento do acesso dos brasileiros à saúde; a atenção primária à saúde melhorou muito, especialmente, por meio do Programa de Saúde da Família; e há bons resultados nos programas de imunização, nos transplantes de órgãos, no programa de controle do HIV/Aids e outros, onde o SUS tem desempenho exemplar no cenário mundial”.
Os limites do SUS e a sua origem
O fato do SUS apontar avanços significativos na política de saúde brasileira, não significa que o mesmo não esteja imune a críticas. Pelo contrário, os especialistas apontam que há muito que se melhorar. Segundo Gastão Wagner, “se por um lado, o sistema expandiu o atendimento, por outro, deixa a desejar em qualidade e humanização”. O professor destaca ainda, o risco da mercadorização. Segundo ele, “a luta entre o interesse clientelista, corporativo, empresarial e o atendimento às necessidades de saúde transferiu-se para dentro do SUS. Há uma tentativa permanente de reapropriação privada do recurso público”.
Paulo Gadelha, destaca a limitação do financiamento do sistema. Segundo ele com a retirada da CPMF, “essa questão voltou a ser central”. O professor comenta ainda como desafios os processos de valorização e formação dos quadros de pessoal do SUS, a questão da acessibilidade e humanização do atendimento. Segundo ele, “é intolerável, inaceitável, no atendimento, num posto de saúde, num hospital, numa emergência, independente da questão dos recursos, a falta de comprometimento, de acolhimento e de compromisso social. A população deve ser atendida com a maior dignidade”, comenta.
Muito dos limites do SUS circunscrevem em função do contexto em que foi gestado. Segundo Sarah Escorel, da Fundação Oswaldo Cruz, viúva de Sergio Arouca, um dos grandes nomes na construção e implantação do SUS, se trata de “um sistema muito jovem, tem 20 anos, ainda não alcançou sua maioridade. E foi implementado num período muito difícil, porque na década de 1990 houve uma série de políticas de ordem econômica, de orientações de nossos credores internacionais, no sentido de diminuição do gasto público, de diminuição do Estado e da responsabilidade estatal. Trata-se de um sistema constituído a partir de uma herança que devia ser superada num momento em que não foram feitos investimentos necessários para essa superação”, comenta ela.
A professora Sônia Fleury Teixeira, destaca que a criação do SUS “se deu dentro de um contexto econômica e ideologicamente desfavorável, quando predominou a ideologia liberal nos governos. Então, o SUS não é só a proposta da reforma sanitária. Ele é muito menor do que a própria reforma, que pensava em outras questões além da atenção à saúde, que via na saúde um projeto civilizatório, um projeto de sociedade. A reforma sanitária pensa a saúde como um projeto de sociedade solidária, que seja capaz de ser generosa. E o SUS espelha isso, mas também as dificuldades que foram encontradas, porque não é fácil se desenhar um projeto de reforma sanitária e criar um sistema único e público de saúde”.
Segundo a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, “viemos de uma situação na qual 70% dos leitos hospitalares já eram privados. Então, o SUS espelha essas contradições entre um projeto publicista da reforma sanitária e a necessidade de ser compatível com uma realidade na qual o setor público não tinha nem a maior capacidade técnica nem o maior número de camas. O SUS representa uma proposta da reforma sanitária adaptada às contingências vividas desde sua criação”, destaca.
O SUS a bem da verdade é uma conquista do movimento social brasileiro, do movimento da reforma sanitária, que segundo Gastão Wagner, “funcionou como intelectual orgânico, trazendo para o Brasil os conceitos, as diretrizes e a experiência positiva e negativa dos sistemas públicos (socializados) de saúde de vários países do mundo. Os ativistas do movimento funcionaram também como tribunos da causa popular contra a perversidade arraigada da elite brasileira, que ameaça ‘arrancar o revólver’ toda vez que alguém menciona a distribuição de renda ou políticas de bem-estar social”.
Emenda 29
Apesar de todos os avanços, e do SUS se revelar como a política mais inclusiva do Estado brasileiro – 70% da população brasileira dependem exclusivamente do SUS como o seu único acesso aos serviços de saúde – , o mesmo padece da ausência de financiamento estável e regular. Nesses dias, se trava um intenso debate acerca da emenda 29 – proposta que amplia de 7% para 10%, até 2011, a vinculação da receita corrente bruta da União para a Saúde.
Segundo o ministro José Gomes Temporão, “é inconcebível que, aos 20 anos de idade, o SUS ainda não disponha de uma fonte de recursos que seja estrutural, carimbada, definitiva, que permita ao sistema de saúde cumprir, nos próximos anos, o que está previsto na Constituição brasileira: saúde universal, de qualidade, com eficiência, atendendo a todos os cidadãos brasileiros”.
Para o ministro, é uma profunda ignorância os que afirmam que o que falta para saúde não é dinheiro, mas boa gestão. Segundo ele, “para ser mais polido, uma desinformação”. “O senador [uma referência ao senador Francisco Dornelles (PP-RJ), critico da proposta da emenda 29], deve gastar com o plano privado de saúde para ele e a família 5 a 10 vezes mais do que o sistema público gasta com cada paciente. E a assistência pública é muito mais abrangente e complexa. Vivemos uma incoerência. A assistência é universal, mas gastos públicos em saúde representam 47% do que é movimentado no setor. O sistema privado atende menos e investe muito mais”, afirma o ministro.
Já Lula em desacordo com o seu ministro, afirmou que “não partirá do governo e não haverá da parte do governo qualquer iniciativa para que o Congresso aprove qualquer imposto”. Referia-se à Emenda Constitucional 29, que já passou no Senado e impõe ao governo desembolso de R$ 27 bilhões do Orçamento para a área da saúde. E avisou: “Só é possível você aumentar despesa se você aumentar receita”; O governo perdeu a CPMF”, anotou. “Estamos trabalhando sem CPMF. Agora, a única coisa que eu acho é que se o Congresso quer regulamentar a Emenda 29 e aumentar o dinheiro para a saúde é importante que os companheiros pensem como aumentar o dinheiro para a saúde sem ter uma nova receita”.
O filme $.O.$. Saúde de Michael Moore e o SUS brasileiro
A propósito dos 20 anos do SUS, sugerimos a leitura do comentário publicado na revista do IHU n. 260, sobre o filme Sicko – $.O.$. Saúde de Michael Moore que foi exibido recentemente nas capitais brasileiras e que pode ser encontrada nas locadoras. A questão proposta pelo diretor é: “Por que nós [os EUA], o maior país ocidental industrializado, não temos uma cobertura gratuita e universal do sistema de saúde?”. Comentando o filme, a professora e pesquisadora Stela Meneguel, do PPG em Saúde Coletiva da Unisinos, afirma: “Considero este filme didático: ajuda-nos a fazer a defesa do SUS (Sistema Único de Saúde), desmistifica algumas críticas, tais como as filas de espera, a dificuldade em fazer exames complementares, a demora para receber tratamentos de maior complexidade e a pretensa remuneração aviltante dos profissionais de saúde”.
Segundo ela, “no Brasil, o SUS foi viabilizado em mais de dez anos de luta pelo movimento da Reforma Sanitária, que congregou amplos setores da sociedade civil organizada e dos serviços de saúde. Até então, grandes parcelas da população (agricultores, ambulantes, empregados domésticos) não tinham acesso à atenção à saúde”. Destaca ainda que “o SUS é responsável, além da assistência médica, pelo desenvolvimento de programas de educação em saúde; pelas ações de vigilância sanitária e epidemiológica; e pela atenção integral e universal da população em todos os níveis de complexidade”.
A professora pergunta: “Em que país o Estado oferece assistência integral para toda a população portadora da HIV/AIDS, câncer e problemas renais crônicos que exigem hemodiálise? Realiza a maioria dos procedimentos de alta complexidade, como as cirurgias cardíacas, internações psiquiátricas, transplantes de órgãos? Não é com certeza os Estados Unidos de Bush e de Nixon, onde os políticos comprometidos com lobbies da indústria farmacêutica e seguradoras de saúde têm sistematicamente minado a discussão deste tema, é o que nos diz Michael Moore em S.O.S saúde”.
O final do filme é surpreendente, comenta Stela Meneguel: “A equipe de filmagem realiza uma quixotesca viagem a Cuba acompanhada de um grupo de americanos que foram lesados pelo Estado ou pelas seguradoras. A idéia era irem a Guantánamo e usufruírem a atenção prestada pelo sistema de saúde penitenciário. Claro que não conseguem, porém são amistosamente acolhidos pelo povo cubano, recebem atenção médica gratuita e tratamento de ‘hermanos’ pela solidária corporação de bombeiros de Havana. Sem dúvida, ponto para Cuba, para Moore e para os países que investem na saúde como direito da população e dever do Estado!”.
Nanotecnologias. Progresso ou aventura trágica?
Ao longo da história da humanidade alguns acontecimentos provocaram rupturas profundas na sociedade. A Revolução Industrial ao final do século XVIII foi um desses acontecimentos. Essa revolução pulverizou a forma de se conceber o mundo e de se relacionar com ele. Agora, encontramo-nos diante de um momento da mesma envergadura, ou ainda mais “revolucionário” àquele da Revolução Industrial. Trata-se da Revolução Tecnológica que no seu interior gestou duas outras revoluções simultâneas: a biotecnológica e a nanotecnológica. Essas revoluções apresentam-se como uma ruptura ao momento anterior.
As implicações das nanotecnologias na sociedade foi o tema do Simpósio Internacional ‘Uma sociedade pós-humana? Possibilidades e limites das nanotecnologias’ promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU). O mesmo tema foi abordado na revista do IHU n. 259, 26-05-2008, intitulada ‘Nanotecnologias. Possibilidades incríveis e riscos altíssimos’ e esteve presente nas ‘Notícias do Dia’ ao longo da última semana.
Reportamo-nos – na análise da conjuntura – a esse tema por considerá-lo da maior importância para todos aqueles e aquelas que desejam acompanhar e compreender os acontecimentos que são decisivos sobre os rumos da humanidade. Ainda mais. O tema é relevante considerando-se a fragilidade com que tem sido abordado pelos movimentos sociais. A impressão que se tem é que o movimento social ainda não se deu conta desse novo acontecimento e está preso ao paradigma da Revolução Industrial.
O tema da nanotecnologia assemelha-se ao da biotecnologia. Porém, o seu raio de ação e implicação é superior ao da biotecnologia, conteúdo que já estamos mais familiarizados. Hoje, todas as grandes corporações transnacionais investem altíssimos recursos nas pesquisas de nanotecnologia e em patenteamento de novos produtos. Todos os ramos produtivos estão sendo impactados: informática, automotivo, fármacos, alimentação, têxteis, esportes, indústria militar e espacial. Estamos diante de possibilidades incríveis e riscos altíssimos, como destaca a revista do IHU, uma vez que criadas, as nano-partículas ou nano-estruturas se instalam no corpo humano, no meio ambiente, nos alimentos e nos produtos.
As empresas prometem maravilhas com as nanotecnologias. Como destaca Gilberto Dupas, “os patronos dessas técnicas garantem, para um futuro próximo, nanorobôs circulando pelo sangue humano para reparar células, capturar micróbios ou combater cânceres; todo o acervo das bibliotecas mundiais contido num dispositivo do tamanho de um torrão de açúcar; materiais dez vezes mais resistentes e cem vezes menos pesados que o aço; e armas e aparelhos de vigilância milimétricos e potentíssimos”. “Anunciam – continua ele – a implantação de nano chips no organismo humano para substituir ou adicionar células ou competências, abrindo espaço para uma primeira geração de pós-humanos”. No limite, diz Dupas, “com a completa regeneração celular prometem a imortalidade”.
Eric Drexler, cientista renomado, considerado o “pai” do conceito nanotecnologia e conferencista do Simpósio, destaca que “os benefícios potenciais são enormes, em todas as áreas em que seres humanos possam fazer coisas, ou usar coisas que tenham feito: a perspectiva é melhorar muito produtos com grandes reduções de custos, tanto em termos financeiros quanto em se tratando de impacto ambiental”. Esse, aliás – a possibilidade de frear o aquecimento global -, é um dos aspectos sedutores que envolvem o discurso das nanotecnologias. Drexler é otimista e não considera um exagero essa possibilidade. “Sistemas de grande escala desse tipo [a partir das nanotecnologias] podem ser usados para remover CO2 e outros gases estufa da atmosfera a uma taxa que removeria as emissões do último século em 10 anos”, diz ele.
Porém, há um tema ainda mais fascinante relacionado às nanotecnologias. Aquele que promete o “turbinamento” ou reprogramação da pessoa humana. Ronda o imaginário daqueles que lidam com as nanotecnologias a idéia de que o humano – a nossa estrutura corpórea e biológica – se tornou obsoleta e que chegou o momento de um realizar download em nós mesmos com o objetivo de tornarmo-nos mais ágeis, inteligentes, produtivos e eficazes. A idéia é simples: se podemos melhorar a nossa performance porque não fazê-lo?
Como destaca Maria Paula Sibilia, a percepção é de que o capitalismo do século XXI já pensa o “corpo humano como um outro tipo de artefato. Um dispositivo que não é mais mecânico à moda antiga, porém informático”. Segundo ela, “os corpos e subjetividades que a sociedade contemporânea precisa para poder funcionar com maior eficácia não são os mesmos que necessitava o capitalismo industrial do século XIX e da primeira metade do XX”.
As nanotecnologias apresentam-se como um novo paradigma, como ruptura a tudo o que conhecíamos. Descortina-se diante de nós um mundo imaginável do qual não temos absolutamente nenhuma segurança no que irá resultar.
Possibilidades incríveis e riscos altíssimos
Afinal o que é a nanotecnologia? O conceito de nanotecnologia está associado à medida ‘nano’ que significa a bilionésima parte do metro. A idéia central é construir novos materiais com novas propriedades físicas, biológicas e químicas em escala nano com o objetivo de produzir coisas cada vez menores, miniaturizados, mais potentes e eficientes. Quando aplicado à indústria o seu potencial é revolucionário porque significa redução de custos e aumento da produtividade. Hoje já se fala em computadores pessoais com 1 bilhão de processadores e sistemas de energia solar eficazes e de baixíssimo custo. As nanotecnologias já estão presentes numa série de produtos que utilizamos e consumimos, mesmo sem conhecimento, e recebem cada vez mais recursos para pesquisas. No momento, é a última fronteira de pesquisa em disputa pelas grandes corporações.
Mas tudo isso é pouco perto do que prometem as nanotecnologias. Segundo Eric Drexler que popularizou o termo nanotecnologia nos anos 80, através do livro Engines of creation (Motores da criação), as nanotecnologias dizem respeito a “habilidade dos seres humanos para criar e construir estruturas complexas com precisão atômica – estruturas nas quais cada átomo tem um lugar definido”. De acordo com o seu raciocínio, “isso leva a máquinas em nanoescala, chamadas de ‘nanosistemas produtivos’, que utilizam informação digital para dirigir um processo de fabricação que combina moléculas simples para criar produtos atomicamente precisos”.
Em síntese, a manipulação dos átomos poderia em tese construir e reconstruir absolutamente tudo. Poderíamos assim criar mini-robôs ou nanorobôs do tamanho de uma célula que teriam uma utilidade sem precedentes, como por exemplo, na medicina, uma vez que com grande precisão poderiam circular livremente pelo corpo humano levando medicamentos ao lugar desejado evitando tratamentos dispendiosos e com efeitos colaterais. Ainda mais, em tese, células danificadas poderiam ser substituídas ou regeneradas. Até mesmo neurônios poderiam ser substituídos, como por exemplo, no combate ao mal de parkinson.
Porém, há um outro lado preocupante. As nano-partículas ou nano-estruturas uma vez criadas podem espalhar-se pelo meio ambiente, pelo corpo humano, nos alimentos apresentando problemas de toxidade como foi atestado nesses dias com um dos produtos ‘estrela’ das nanotecnologias, os nanotubos de carbono.
O nanotubo de carbono trata-se de um material leve como plástico, mas resistente como aço e de múltiplas aplicações, de veículos passando por remédios à eletrônica avançada. Agora, estudos indicam que há indícios evidentes de que esses nanotubos de carbono possam vir a causar câncer.
Uma sociedade pós-humana?
A nanotecnologia, a robótica, a biotecnologia e as tecnologias da informação em sinergia possibilitam o pós-humano, ou seja, a idéia de que a natureza humana deixou de ter limites fixos e rígidos. Anuncia-se uma mutação antropológica: a possibilidade da hibridização e da cyborgização do humano. Podermos nos tornar homens e máquinas ao mesmo tempo. Segundo o físico e cosmólogo Luiz Alberto Oliveira, conferencista no Simpósio Internacional do IHU, essa sinergia das novas tecnologias “permitem prever uma sociedade fundada não em uma previsibilidade absoluta, mas, ao contrário, em uma indeterminação, que equivale a uma abertura. É como se cada vez mais fosse possível acumular, no presente, muitas linhas de futuro, muitas linhas de abertura para o inédito e o inovador. Essa é uma situação revolucionária”, diz ele. “Só que não é mais uma revolução que sucede num momento de crise, num momento de espasmo. Ao contrário, é uma revolução que se tornou constante. Essa é a nossa crise atual, a crise de uma mutação”, afirma.
Para o físico, “tudo aquilo que entendíamos que era o mundo, a vida, a sociedade e o indivíduo começa a entrar em uma rota de indeterminação. Ou seja, nós agora somos capazes de intervir nas próprias bases que nos definem enquanto seres materiais, seres vivos e seres cognitivos”. “Nesse sentido, diz ele, parece legítimo falar que nos encaminhamos para uma sociedade pós-humana. Não que o humano terá deixado de existir, mas, ao contrário, será diversificado, multiplicado, pluralizado”.
A novidade comenta o professor, é que “estamos sendo não apenas os usuários, mas estamos também sendo usados pelos objetos técnicos. A técnica agora é capaz de operar sobre nós. Somos matéria-prima dessa ação técnica. Isso significa que a forma humana está em vias de ser redesenhada para alguma coisa que nunca experimentamos. Esse temor do inédito é a marca que faz com que todo o mundo se interrogue, com grande dúvida e incerteza, acerca das novas tecnologias e das potencialidades enormes que elas estão abrindo para nós”.
De acordo com Maria Paula Sibilia, “agora é possível ‘reprogramar’ as características e funções do corpo humano, abrindo um horizonte para além do que costumávamos conhecer como ‘humano’. Os limites dessa definição estão sendo desafiados, com pesquisas que se propõem a ‘desprogramar’ as doenças e o envelhecimento, por exemplo, visando a atingir a imortalidade. E, assim, inaugura-se uma era que alguns denominam pós-orgânica, pós-biológica ou, inclusive, pós-humana”.
Segundo ela, “estes sujeitos, que hoje se definem como ‘pós-humanos’ devem ser constantemente ‘aditivados’ com adereços e recursos técnicos capazes de ultrapassar seu limitado equipamento orgânico original, são mais úteis ao projeto de mundo no qual vivemos”. Para a pesquisadora, “essa vontade de exercer um controle total sobre a natureza em geral e sobre o corpo humano em particular tem uma raiz fortemente fincada no projeto científico que fundou a era moderna”.
Maria Paula Sibilia considera que anteriormente “havia algo além, seja da ordem do sagrado, do divino ou do acaso natural, que não podia (e nem devia) ser submetido aos desígnios meramente humanos. O segredo da vida, por exemplo, estava fora do domínio humano — e acreditava-se que assim permaneceria para sempre, porque era assim que as coisas eram e como elas deviam ser”. Agora, diz ela, “a partir desta ruptura, esses limites estão sendo desafiados e há uma promessa de ultrapassagem. Agora sim podemos, ou logo poderemos exercer um controle total sobre a natureza e o corpo humano, assumindo (ou não) todos os riscos que esse projeto ‘fáustico’ pode implicar”.
“Éramos frutos do acaso e das probabilidades, uma espécie de loteria biológica que nos protegia contra a arbitrariedade. A partir de agora, terceiros ou nós próprios poderemos nos determinar biologicamente e nos reconstruir (ou construirmo-nos diferentes)”, afirma Gilberto Dupas, seguindo raciocínio semelhante ao da professora. Progresso ou aventura trágica?, pergunta ele.
Para Dupas, em outra entrevista no sítio do IHU “o problema é que a evolução das tecnologias, ao contrário do que se pensa, nunca é neutra, pois acaba determinando procedimentos, comportamentos, padrões de consumo, direções”. O pesquisador destaca que “é uma discussão semelhante à discussão dos transgênicos. Os transgênicos aparentemente vieram para ficar. Eles, basicamente, causam vários danos possíveis, que não foram devidamente pesquisados, mas também trazem algumas vantagens. No entanto, afetam também a lógica biológica das sementes e da herança biológica natural de uma forma que nós não conhecemos direito. O famoso princípio da precaução, que deveria ser referencial para as pesquisas, não é feita, porque a maioria dos pesquisadores envolvidos nelas estão contratados pelas grandes corporações. Não são pesquisadores de universidades que têm aquelas referências éticas que obrigam a levar em consideração uma série de características pelas quais a pesquisa precisa se nortear”.
De Homo Faber para Homo Creator. A ameaça do nosso tempo
“As nanotecnologias constituem o desafio mais recente e mais forte para a imagem do humano que interiorizamos por séculos”, afirma a filósofa italiana Elena Pulcini. A ameaça de nossa época é o de que “o homem não é mais capaz de controlar o que ele mesmo produziu, quando sofre os efeitos imprevistos e indesejáveis daquilo que construiu, tornando-se fatalmente vítima dele próprio”.
Segundo a filósofa, “a técnica em todas as suas manifestações, produz efeitos ambivalentes, ou seja, riscos e benefícios. Não faz sentido, portanto, posicionar-se rigidamente a favor ou contra. Não faz sentido a contraposição entre entusiastas e apocalípticos, porque esta divergência descamba, em ambos os casos, numa desresponsabilização, seja porque se pensa que a técnica resolverá tudo (também os males que ela mesma produz), seja porque se teme que ela destruirá tudo e nos levará à catástrofe”.
A ambivalência das nanotecnologias, segundo Elena Pulcini está no fato de que por um lado podemos constatar benefícios (possibilidades de diagnóstico e terapêuticas no campo médico, produção de materiais dotados de excepcional resistência e durabilidade, desenvolvimento de processos produtivos menos poluentes para o ambiente etc.), mas, por outro, há também riscos (riscos para a saúde, devidos à difusão das nanopartículas no ambiente, riscos de invasão e controle de nossa privacidade, para não falar da enorme potenciação possível na construção de armas de destruição em massa etc.).
A professora italiana comenta que o grande problema é de que este mundo cada vez mais nos escapa das mãos, no sentido de que a nossa capacidade cognitiva não acompanha a velocidade das transformações. De acordo com ela, o sujeito foi levado a uma condição de subordinação à técnica. Segundo a filósofa italiana na nova ‘era da técnica’ assistimos à emergência do Homo faber em contraponto ao Homo creator . O Homo faber é aquele que faz, que fabrica, que produz, servindo-se da técnica para satisfazer as próprias necessidades. O Homo faber traduz-se como o senhor todo-poderoso, criado à imagem de Deus onipotente, que tudo domina e subordina. Já o Homo creator – potencializado pelo desenvolvimento ilimitado da técnica, especialmente das nanotecnologias -, não se limita a transformar a natureza, mas é capaz de (re)criar a natureza, de introduzir no ambiente produtos e processos totalmente novos alterando tudo o que até então conhecíamos.
Sendo assim, diz ela, “o Homo faber representa a própria imagem do homem que, desde suas origens, fabrica e constrói artificialmente o próprio mundo através de instrumentos, utensílios, máquinas tendentes a melhorar suas condições de vida, a permitir-lhe não só a sobrevivência, mas até mesmo a possibilidade de emancipar-se da natureza, produzindo uma ‘segunda natureza’, não hostil, porém mais familiar e amiga. O problema nasce, no entanto, quando este fazer, este fabricar perde todo sentido e finalidade, impelindo-o a um agir coativo, segundo o princípio que ‘o que se pode fazer se deve fazer’”. Aqui surge o Homo creator.
Para Elena Pulcini, o momento singular que estamos vivendo exige uma nova ética que dê conta do caráter radical das transformações. Precisamos, segundo ela, “assumir a nossa condição de pessoas humanas imperfeitas, vulneráveis e frágeis – a condição de que precisamos do outro, de que o outro mais do que importante para mim, é necessário”. Segundo ela, “pela primeira vez somos todos iguais na debilidade, antes de toda diferença e até de toda desigualdade. Estamos todos expostos aos mesmos riscos e submissos a um destino comum”.
Pulcini propõe uma ética da responsabilidade que se baseie na vulnerabilidade. Ou seja, “é a possibilidade de perda do mundo e da própria vida que pode impelir os homens a reconhecerem sua comum unidade e a agirem em comum. Para que isso aconteça, é, todavia, preciso superar a cisão ‘prometeica’ entre produzir e sentir, entre fazer e imaginar e adquirir a capacidade de pensar-se como sujeito vulnerável; vulnerável paradoxalmente em virtude do próprio vertiginoso poder”. Portanto, diz ela, “a responsabilidade deve ter um fundamento emotivo, que emerja da percepção mesma da própria debilidade e do amor pelo mundo”.
“Não podemos mais deixar a ciência entregue a si mesma, separada da ética, da política, do direito. Devemos, sim, criar uma interação sempre mais eficaz entre os saberes especializados e o grande público, para podermos estar cônscios daquilo que está de tempos em tempos acontecendo e expressar as nossas legítimas inquietudes. Nós estamos diante de um desafio terrível porque, como Hans Jonas havia entendido muitos anos atrás, por causa do nosso ilimitado poder, podemos expor a humanidade e o mundo vivente ao perigo de uma irreparável degradação, senão à extinção. Devemos, portanto, encontrar os fundamentos de uma ética do futuro que proteja o mundo dos efeitos indesejados do nosso poder”, afirma a filósofa.
Pós-humano e pós-humanismo. Outra interpretação
As preocupações da filósofa Elena Pulcini foram também manifestadas por Roberto Marchesini, professor da Scuola di Interazione Uomo Animale da Itália – estudioso de ciências biológicas e de epistemologia que esteve, assim como a filósofa, no Simpósio Internacional promovido pelo IHU. Porém, Marchesini é mais otimista e prefere falar em pós-humanismo e não em pós-humano.
Marchesini parte de uma crítica ao humanismo: “O humanismo habituou-nos a pensar o homem como medida e síntese do mundo, ou seja, institucionalizou uma visão antropocêntrica que não admite alteridade e que pressupõe uma prevalência da racionalidade humana sobre tudo”. Segundo ele se é verdadeiro que “o humanismo tem sido seguramente uma grande conquista no caminho do pensamento do homem, porque sublinhou a importância da história e do fazer-se humano”, destaca, no entanto, que o mesmo “deu uma conotação problemática ao saber e, conseqüentemente, à ciência, interpretando-os como domínio sobre o mundo”. “Na realidade, diz o professor, o saber não nos torna donos do mundo, ou seja, o saber é um ato solidário com o que é criado e somente se for reconhecido como tal faz realmente crescer o homem. A idéia humanista, se levada ao extremo, leva a considerar o homem como o ponto final dos processos naturais, uma espécie de ponto ômega de disjunção do criado”.
Nesta perspectiva, Roberto Marchesini, prefere falar em pós-humanismo como novo patamar capaz de valorizar os débitos que contraímos com o não-humano para construir a nossa condição. Para ele, “o pós-humanismo parte da consciência que o homem não é suficiente para explicar as qualidades humanas (vale dizer que estas últimas não são simples emanações do homem)”. “A condição pós-humana é, no entanto, a recusa de uma deriva solipsista que nos conduziria a ver-nos sós no universo. Se realmente consideramos o universo como um grande sodalício de entidades que intercambiam perspectivas, chegamos a ver como a hibridação enriquece o humano e não o aniquila”, destaca o professor.
O conhecimento para ele também é humildade, sabedoria, respeito, responsabilidade, ligação com os outros. “Não se pode imputar uma culpa à ciência, e sim ao paradigma filosófico no qual ela opera. Amo a ciência porque amo o que é criado, encho-me de estupor quando descubro alguma coisa ou venho ao conhecimento de algo, porque, ainda uma vez, sinto-me pequeno diante do mundo”, diz ele e conclui: “O problema não está nas tecnologias, mas na incapacidade do nosso tempo de ter um padrão filosófico adequado às potencialidades aplicativas que estão emergindo”.
Ao problema e resposta de um ‘padrão filosófico’ que oriente o conjunto da humanidade neste novo momento epocal, falou o filósofo Luiggi Perissinoto, professor da Università Ca’ Foscari Venezia, na Itália. Segundo ele, “não temos categorias mentais suficientes para interpretar o que elas [a as nanotecnologias] estão trazendo. Nosso maior desafio está voltado para o que podem causar em nós e não em como podemos utilizá-las”, destaca ele.
Para Perissinoto, “precisamos pensar a técnica, mais do que ter medo ou exaltá-la. Quando surgem coisas novas, em diferentes categorias, sempre nos perguntamos: até onde deveríamos ir? Ou: o que não deveríamos fazer no campo tecnológico? (esta tendo uma visão moral mais restrita). E também: o que é tecnicamente possível que se faça? (ou seja, experimentar para ver no que vai dar)”. O professor destacou que observa cinco abordagens da filosofia no confronto à questão da técnica: a rejeição, a exaltação, a subvalorização, a ontologização – que pretende dar um fundamento filosófico à técnica – e, por fim, a estranheza. Para Luiggi Perissinoto, a contribuição que a filosofia pode atualmente dar é a de manter viva a visão sobre a técnica. “Caso percamos isto, a técnica terá grande potência, mas estaremos impotentes em relação a ela”, diz ele.
