Christiane Campos e Raquel Casiraghi de Buenos Aires (Argentina)
Presente ao Fórum Social de Resistência ao Agronegócio, em BuenosAires, Argentina, a pesquisadora Sorka Copa Romero, ligada ao FórumBoliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade), fala sobrea ação nociva do agronegócio na Bolívia – promovida, em especial, porlatifundiários brasileiros.
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Brasil de Fato – Como está estruturado o agronegócio na Bolívia?
Sorka Copa Romero –As características do agronegócio e suas conseqüências são as comuns emtodos os países. Na Bolívia, temos a Cargill, a quinta exportadora desoja do país, que controla as empresas de agroquímicos. E a Gravetal,que tem um porto próprio, financiado pelo Banco Mundial – é a segundaexportadora de grão de soja. A maioria das empresas que vendemsementes, agroquímicos e que emprestam dinheiro aos pequenosprodutores, são de brasileiros. De todas as empresas de agroquímicosexistentes da Bolívia, 80% pertencem a brasileiros. Os dois grandesprodutores brasileiros são Ricardo Cambruzzi (proprietário da Gravetal)e Ricardo Wazilewski. Wazilewski tem três mil hectares e Cambruzzi tem5 mil hectares. Eles também estão inseridos nas instituiçõesgovernamentais onde se tomam as decisões. Dentro da Associação Nacionalde Produtores de Oleaginosas (Anapo) há brasileiros que manipularampara que a Associação apresentasse uma solicitação para experimentos decampo semi-comerciais de soja transgênica. Posteriormente, a FundaçãoAgrícola para o Desenvolvimento de Santa Cruz (Fundacruz), que é umaempresa dirigida pelo brasileiro Ricardo Cambruzzi e associada àempresa Mato Grosso, no Brasil, também solicitou a aprovação paratrazer soja transgênica ao país. Ou seja, está tudo armado. Se aMonsanto não conseguir a aprovação, ou a Anapo não aprovar, outrasempresas pedem e pressionam para que seja liberado. O que argumentamosé que a Fundacruz, que pertence a um brasileiro, não pode pedir aaprovação de sementes transgênicas em outro país, no caso, a Bolívia.Então, a Fundacruz e a Anapo retiraram os pedidos. No entanto, enquantoestávamos contestando os pedidos dessas duas empresas, a Monsantoconseguiu a aprovação.
BF – Quando os brasileiros chegaram à Bolívia?
Sorka – Omaior dos produtores, Ricardo Cambruzzi, está na Bolívia desde 1994.Ele é do Rio Grande do Sul. Na Bolívia, nessa época, as terras estavammuito baratas e a maioria não era cultivada. Havia também a pobreza e adebilidade de organização dos camponeses, que vendem as terras por umpreço baixo. Esses grandes produtores fi zeram a demarcação de terrasde forma ilegal, manipulando o Ministério da Agricultura e o InstitutoNacional da Reforma Agrária.
BF – De que forma a soja chegou à Bolívia, se transformando em um produto do agronegócio?
Sorka –A soja foi introduzida na Bolívia a partir da década de 1970, não é umcultivo original do país. As variedades introduzidas e adaptadas, deorigem brasileira, se deram muito bem no solo da província de SantaCruz, que é parecido com as terras do Estado do Mato Grosso. Nosprimeiros anos, a soja deu um bom rendimento. Foi destinada àexportação, principalmente para os países da Comunidade Andina. Quandoa Monsanto introduziu a soja transgênica, a previsão era de que aprodução do grão fosse dobrar. No entanto, não se deu dessa formaporque a variedade geneticamente modificada trazida pela empresa é deorigem argentina. E as variedades argentinas, historicamente, nunca seadaptaram ao solo boliviano. O fracasso da soja transgênica na Bolíviaé atribuído a isso. Os produtores plantaram e, como não conseguiram bomrendimento e o cultivo não se tornou rentável, deixaram de produzirsoja transgênica.
BF – Há outros monocultivos na Bolívia?
Sorka – Diferenteda Argentina e do Brasil, onde a soja se tornou monocultivo, na Bolívianão aconteceu isso. Porque, na Bolívia, se faz a rotação de culturas.Por exemplo, em um lugar em que se colheu a soja, o próximo cultivo vaiser de milho. Os agricultores manejam muito bem a rotação porque elestêm consciência de que, se não o fizerem, os nutrientes da terra não seregeneram. Ou seja, a terra deixará de ser agricultável. Parte daprodução de milho boliviana vai para exportação e outra parte vai parao consumo interno. Algumas regiões também produzem trigo e outrassorgo, para a alimentação animal. Há uma variedade de cultivos naBolívia. Por isso, não há monocultura. Setenta por cento dos produtoresda Bolívia são pequenos produtores, 15% são médios e 5% são grandesprodutores. Em relação à extensão de terra, os grandes produtores têmmais terras do que os camponeses. Em relação à produção, 50% vêm dosgrandes e 50% dos pequenos. Essa grande produção dos latifundiáriosacontece porque eles detêm os meios tecnológicos de produção, comomaquinário, e as grandes porções de terras. Somando a produção dospequenos e dos médios, supera-se a dos grandes. Os latifundiários dopaís são bolivianos, brasileiros e japoneses.
BF – Como está a situação dos camponeses com o novo governo?
Sorka –A situação dos camponeses agora é bem diferente da anterior porque umdos principais planos de governo do Movimento ao Socialismo (MAS) é oapoio à produção do pequeno produtor, desde que seja agroecológica eque vise abastecer o mercado interno. Antes, os camponeses só podiamcomercializar sua produção por meio de um intermediário, a Anapo, àqual estavam associados pequenos (em maior parte), médios e grandesprodutores. Os camponeses dependiam da Associação, que lhes facilitavaempréstimos e lhes fornecia insumos. No entanto, a Anapo se apropriavada produção camponesa e exportava. Agora, os pequenos produtores estãose associando entre si para eles próprios comercializarem sua produção,sem depender de intermediários. Hoje, o governo está concedendoempréstimos a juros baixos, com apoio do governo venezuelano.
BF – Os latifundiários resistem à reforma agrária de Evo Morales?
Sorka –Nós todos achamos que a iniciativa da “revolução agrária” de EvoMorales é muito boa, tanto na prática como na teoria. Está diretamenteligada à agricultura que prioriza a soberania alimentar. Há problemas,sim, porque temos grandes latifundiários no país, principalmentebrasileiros. As terras da Bolívia estão nas mãos de apenas cem grandesfamílias. Tenho informações de que alguns brasileiros estão pagandocamponeses para que resistam e protestem contra a revolução agrária. Osbrasileiros estão usando a nossa gente para que se diga “os bolivianosestão protestando contra a revolução agrária”. Na verdade, quem estáarmando tudo isso é um latifundiário.
