Massacre de sem-terra em Felizburgo: já faz um ano

Um texto sobre 1º  ANO DO MASSACRE de 05 sem-terra, no Acampamento Terra
Prometida, em FELIZBURGO.

Após o exaurimento do ouro em Vila Rica/Ouro Preto, a colonização do Vale do
Jequitinhonha se deu pela dizimação dos povos indígenas e pela apropriação
das terras. O poder local foi pouco a pouco se fortalecendo a partir do
latifúndio. Em 3 de maio de 1808, uma Carta Régia ordenava uma ³Guerra
Ofensiva e Justa² contra os índios botocudos, para mostrar superioridade dos
brancos ³civilizados².

No dia 01 de maio de 2002, 230 famílias de trabalhadores rurais sem-terra do
município de Felizburgo começavam a escrever uma outra página na história do
município e da região. Os Sem Terra cansaram de viver de favores e de
plantar para entregar a meia ao patrão. Ocuparam a fazenda Nova Alegria. O
sonho de uma vida mais digna falou mais alto e moveu os pobres para a luta.
Iniciava-se um desafiou não só aos ³donos² da Fazenda Nova Alegria, mas
também aos ³donos do poder² e todo um sistema que está a serviço de um
pequeno grupo. Por 2,5 anos a vida no acampamento se dava em meio a muita
luta, produção de alimentos e ameaças por parte de jagunços.

Dia 20 de novembro de 2004, dia da Consciência Negra, cerca de 18 jagunços,
liderados pelo fazendeiro e empresário Adriano Chafik Luedy, invadiram o
Acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha.
Assassinaram covardemente Iraguiar Ferreira da Silva (23 anos), Miguel José
dos Santos (56 anos), Francisco Nascimento Rocha (72 anos), Juvenal Jorge da
Silva (65 anos) e Joaquim José dos Santos (49 anos). Todos os tiros foram à
queima roupa. Feriram outras 20 pessoas sem-terra, inclusive uma criança de
12 anos levou um tiro no olho. Atearam fogo no acampamento, reduzindo a
cinzas 65 barracas, inclusive a barraca da escola, onde 51 adultos faziam,
todas as noites, o curso de alfabetização. A guerra oculta e sutil que os
latifundiários fazem todos os dias contra os trabalhadores tinha se
transformado em guerra declarada.

Os trabalhadores sem-terra deste acampamento vinham recebendo ameaças há
mais de dois anos, desde o dia 1o de maio de 2002, quando ocuparam o
latifúndio, que é, parcialmente, de terras devolutas, não arrecadadas pelo
estado. Inúmeros Boletins de Ocorrência foram registrados na delegacia
local. A Comissão Pastoral da Terra ­ CPT -, em 24/09/2004, fez uma
representação junto à Secretaria de Segurança Pública, alertando que oito
jagunços estavam há dois dias dentro do acampamento, mas as autoridades não
tomaram medidas para evitar a tragédia.

Mas os Sem Terra seguiram em frente, mesmo depois das famílias terem perdido
todos os seus pertences, barracos, panelas, roupas, documentos, que foram
queimados pelos pistoleiros, ainda havia muitas pessoas internadas nos
hospitais em estado grave, acabamos de enterrar os cincos mortos que haviam
sido assassinados e as famílias, junto com outras acampadas na região,
reocuparam a fazenda Nova Alegria.

Na semana seguinte, já tinham reconstruído o acampamento. Pela primeira vez
na história do município de Felizburgo, os trabalhadores rurais sem terra
não abaixaram a cabeça diante do autoritarismo do fazendeiro. Reagiram
continuando a luta por seus direitos. Poucos dias depois eles ocuparam a
prefeitura municipal para exigir a criação de uma escola no acampamento.
Isso demonstra o grau de consciência e coragem que as famílias adquiriram
com o processo de luta.

Há um 1 ano do massacre de Felizburgo, constatamos as seguintes conquistas
do Acampamento Terra Prometida: 1a) O Acampamento Terra Prometida tem hoje
uma organização política autêntica dos trabalhadores, coordenada por eles
próprios; 2a) Três dias após o massacre, a fazenda foi reocupada e já
conquistaram 568 hectares dela; 3a) Derrota política imposta ao Adriano
Chafic e à classe latifundiária. Estão desmoralizados em seus métodos; 4a) A
prisão do mandante e assassino Adriano Chafik e mais três pistoleiros; 5a)
Hoje se produz praticamente de tudo na parte da fazenda já conquistada. Na
1a safra foram mais de 800 sacas de feijão, muito milho e verdura, fato que
fez as pessoas do acampamento transbordar de alegria; 6a) A criação da
Escola Municipal Miguel José dos Santos (nome dado em homenagem a um dos
companheiros que tombou no massacre). As mais de cinqüenta crianças e mais
de trinta adultos estão agora estudando dentro do pré-assentamento. A escola
é coordenada pelo Setor de Educação do MST; 7a) Todos participam com
entusiasmo nos núcleos de base, nas equipes de trabalho e nas assembléias. É
o início de uma vida nova, vida em comunidade que luta em mutirão e de forma
organizada. A solidariedade e a co-responsabilidade envolvem a todos.

Após estudos sérios, em parceria com universidades federais, o Instituto de
Terras do estado de Minas Gerais, o ITER, chegou à conclusão de que,
existem presumivelmente 11 milhões de hectares de terras devolutas em Minas
Gerais (cerca de 1/3 do território do estado), quase todas elas griladas por
fazendeiros, reflorestadoras (na verdade, eucaliptadoras) e grandes
empresas. Nas décadas de 70 e 80 do século XX, grandes extensões de terras
devolutas foram repassadas para grandes empresas em convênios firmados entre
o ITER e aquelas empresas, que hoje as usam, quase que exclusivamente, na
monocultura de eucalipto. Muitos destes convênios estão vencidos. Muitas
outras terras devolutas foram invadidas por grileiros, fazendeiros e
empresas. Resgatar as terras devolutas e destiná-las à Reforma Agrária é um
desafio urgente, conforme prescreve o art. 184 da Constituição Federal.

O mártir sr. Miguel José dos Santos terminaria a 4a série em 2005. Pendurado
no corpo do sr. Joaquim José dos Santos foram encontrados dois embornais, um
com milho e outro com feijão. Ele tinha semeado durante a manhã toda. Veio
almoçar, participou da reunião da coordenação do acampamento, mas antes de
voltar para continuar plantando, foi barbaramente assassinado. Sr. Joaquim,
um semeador de sementes não transgênicas, foi semeado na terra prometida. Os
mártires do acampamento Terra Prometida não foram sepultados, mas plantados.
Deles está nascendo uma Minas Gerais mais solidária, fraterna e humana. É
isso que todos os que lutam por justiça esperam. É com isso que todos
sonham.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA ­ MST ­ Minas Gerais
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – CPT
Frei Gilvander Moreira, email: gilvander@igrejadocarmo.com.br