Em 2012, país teve 176 invasões, o 2ºmenor número no governo do PT

Frustração de movimentos sociais desestimulou mobilizações, diz especialista

Por Evandro Oboli, Brasilia, dia 23 de janeiro de 2013

Em 2012, a Ouvidoria Agrária Nacional registrou 176 invasões de terra em todo o país. É o segundo menor registro dessas ações desde o início dos governos do PT, em 2003. A menor ocorrência de invasões nessa década do PT se deu em 2009, quando aconteceram 173 invasões. Em 2011, tinham sido registradas 200 invasões.


Para o governo, políticas de inclusão social explicam essa redução das invasões de terra. Para a oposição, o assistencialismo do Bolsa Família e o fiasco da reforma agrária desestimularam as invasões. Para os movimentos sociais, o desinteresse do governo em criar novos assentamentos tirou os acampados das estradas.

 

O maior registro de invasões no período petista aconteceu em 2004, com 327 ações. De 2004 até hoje, as ocupações foram diminuindo e terminaram 2012 em quase a metade. Nesses dez anos de Lula e Dilma, ocorreram 2.344 invasões de terra. Esse número é menor que nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que, em seus dois mandatos, de 1995 a 2002, enfrentou 2.462 invasões dos sem-terra. Em 1995, o governo começou a contabilizar as invasões de terra pela Ouvidoria Agrária.

 

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, disse achar que as invasões diminuíram pelas ações de inclusão social do governo e também pelo aumento de vagas no mercado de trabalho, seja no emprego formal ou no informal. O ministro afirmou que houve um aumento de famílias assentadas nos últimos dez anos, o que teria reduzido a pressão dos movimentos sociais. Vargas disse ainda que houve também um aumento da renda no campo.

 

— Não foi só a transferência de renda que melhorou a vida no campo, mas também benefícios da Previdência e rendimento com trabalho. E esse ambiente de melhoria de condições de vida no meio rural e o elevado número de famílias assentadas nesses últimos anos fizeram a pressão diminuir. Isso reflete nos movimentos sociais — disse Vargas.

 

O professor Sérgio Sauer, da Universidade de Brasília (UnB), pesquisador de temas agrários, argumentou que o número de famílias envolvidas na luta pela terra reduziu, e que há momentos de maior mobilização e outros de retração. Sauer diz que outros fatores impactaram nas mobilizações no campo, como a medida provisória do fim do governo FH que impediu vistoria em propriedade invadida.

 

— Já a eleição do presidente Lula gerou novas esperanças e os acampamentos e ocupações voltaram a crescer. Mas a frustração desta expectativa fez os números decrescerem. A falta de expectativa de assentamentos e a disponibilização de novas áreas desestimulam as mobilizações.

 

O deputado Ronaldo Caiado (DEM), ruralista, disse que a tendência é acabarem as invasões, que têm cunho ideológico.

 

— A tese da ocupação perdeu força — afirmou.

 

 

Brasília, 24 de Janeiro de 2013 – Quinta Feira

MST culpa governo por desmobilização

 

Movimento atribui redução das invasões à frustração dos sem-terra com ritmo lento da reforma agrária

 

Evandro Éboli

 

BRASÍLIA Organização que mais invadiu propriedades rurais até hoje, o Movimento dos sem terra (MST) diz que as invasões desaceleraram nos dez anos de governos do PT por causa da lentidão do governo federal na criação de novos assentamentos de reforma agrária. Para Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, o processo está tão vagaroso que as famílias dos sem-terra perderam a disposição de obter imóveis rurais com esse tipo de ação.

 

– A lentidão do governo para criar assentamentos é tão grande que as famílias de trabalhadores rurais perderam a perspectiva de conquistar a terra com ocupações. Muitas buscaram outras formas de sobreviver, porque é difícil esperar quatro ou cinco anos para ser assentado – disse Conceição.

 

Ele garantiu, porém, que ainda há nos acampamentos do MST 90 mil famílias.

 

– Esses trabalhadores rurais pobres querem ser assentados. Se o governo criar quatro assentamentos grandes em cada estado, aumentará novamente o número de ocupações, porque os trabalhadores pobres do campo voltarão aos acampamentos com a esperança renovada de conquistar a terra.

 

Como revelou ontem O GLOBO, em 2012 foram promovidas 176 invasões de terra, o segundo menor número nos dez anos de PT na Presidência da República. Para o coordenador do MST, o governo Dilma não fortalece os assentamentos existentes e favorece os grandes fazendeiros e proprietários de terra.

 

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) também atribui a redução das invasões à falta de empenho do governo na sua política de reforma agrária.

 

– A baixa perspectiva de assentamentos provoca esse desestímulo. O governo criou 885 assentamentos em 2005. Em 2011, esse número caiu para 109. Foi o menor índice dos últimos 15 anos. É inconcebível. Os movimentos do campo organizam uma grande mobilização em 2013 para chamar atenção para o descaso com a reforma agrária. Não vamos deixar barato para esse governo – disse Willian Clementino, diretor de Política Agrária da Contag.

 

Abaixo, a entrevista completa concedida por e-mail por Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST

 

 

1-É possível perceber uma redução  no número de ocupações nos últimos anos. A que se atribui essa queda?

 

A lentidão do governo para criar assentamentos é tão grande que as famílias de trabalhadores rurais perderam a perspectiva de conquistar a terra com ocupações. Muitas buscaram outras formas para sobreviver, porque é difícil esperar quatro ou cinco anos para ser assentado. Mesmo assim, persistem nos acampamentos do nosso movimento 90 mil famílias, que estão em áreas ocupadas anos atrás e pressionam o governo.

 

2. Há quem entenda que o número de ocupações se dá em razão de programas sociais do governo, como Bolsa Família, e outros de transferência de renda. Qual o impacto desses programas nas ações no campo?

 

Isso é secundário. A maior parte das famílias que organizamos está no nordeste, onde é o foco do Bolsa Família. O que desmotiva as famílias a viver nos acampamentos e fazer ocupações é a falta de perspectiva da conquista da terra e realização da Reforma Agrária. No entanto, esse trabalhadores rurais pobres querem ser assentados, porque assim conquistam uma terra para trabalhar, uma casa para viver e escola para os filhos. Se o governo criar quatro assentamentos grandes com 500 famílias em casa estado aumentará o número de ocupações, porque os trabalhadores pobres do campo voltarão aos acampamentos com a esperança renovada de conquistar a terra.

 

3. O governo Dilma optou, pelo menos anunciou, por fortalecer assentamentos a distribuir terras. Como o movimento entende essa política? Concorda que assim está se dando?

 

O governo Dilma não assenta nem fortalece os assentamentos existentes. As ações do governo demonstram a sua prioridade para o agronegócio e descaso com a reforma agrária e a pequena agricultura. O agronegócio concentra terra, produz para exportação e utiliza de forma exagerada venenos. A pequena agricultura deve ser a prioridade do país, dentro de um novo modelo de desenvolvimento, para produzir alimentos de qualidade para o povo brasileiro, sem agrotóxicos, em agroindústrias sob controle dos trabalhadores, organizados em cooperativas.

 

4. Que comparação o movimento faz da reforma agrária implementada nos anos de Fernando Henrique Cardoso, de Lula e de Dilma?

Nenhum desses governos implementou uma política de Reforma Agrária para acabar com o latifúndio. Foram criados assentamentos apenas para resolver conflitos isolados. Fernando Henrique criou assentamentos sob pressão da sociedade por ser um dos responsáveis pelo massacre de eldorado de carajás. Lula sofreu uma pressão grande dos trabalhadores rurais que montaram acampamentos e fizeram lutas com a expectativa de que fosse feita a reforma agrária. No entanto, Lula não enfrentou o latifúndio, mas teve sensibilidade social pelo seu compromisso histórico com os sem terra. Dilma ainda não fez nada, mas acreditamos que não vai querer entrar para a história do Brasil como a presidenta que não fez nada pela Reforma Agrária.