Diante dos desafios, aproveitar as oportunidades por Wladimir Pomar
Perspectivas para a Economia em 2012 por Guilherme Costa Delgado
Quarta, 04 de Janeiro de 2012
Em grande parte devido às nuvens carregadas da situação internacional, as perspectivas para 2012 variam de moderadamente otimistas a moderadamente pessimistas. A suposição de que nos países centrais haverá um capitalismo mais regulamentado pelo Estado, com regras mais severas, sobretudo sobre o setor financeiro, talvez não passe de um sonho em noite de verão.
Além disso, a ausência de união política, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, mostra justamente que tal regulamentação se choca contra os mecanismos de elevação da taxa média de lucro das grandes corporações. E é, ainda, uma demonstração de quanto o poder dessas mega-empresas sobre o Estado de seus países e sobre a economia mundial é determinante.
Para piorar, nos países capitalistas desenvolvidos há perseverança na tentativa de descarregar os custos da crise sobre os salários e o bem-estar das populações. O problema consiste em saber até que ponto suas classes dominantes estão dispostas a colocar a nu o formalismo de suas democracias, impedindo pela força, como já faz o governo norte-americano, o desencadeamento de movimentos sociais e a ampliação das reações populares que emergiram durante 2011.
No mesmo caminho de piora da situação, os falcões da indústria bélica pressionam para combinar as medidas de ajuste fiscal com planos de disseminação de guerras. O enorme orçamento militar dos Estados Unidos, assim como os novos planos estratégicos desse país e da OTAN, indicam que a opção armada está na mesa dos formuladores políticos e militares dos países centrais. Eles sequer se dão conta de que as guerras dos últimos anos talvez tenham mudado de natureza.
Antes, as guerras permitiam lucros exorbitantes aos fabricantes de armas e aos Estados que as promoviam. Os Estados Unidos, em particular, cujo território ficou livre das destruições das grandes guerras mundiais, transformaram-se em potência riquíssima e hegemônica graças a essa combinação macabra. No entanto, em especial a partir das invasões e guerras do Afeganistão e do Iraque, pode-se notar uma mudança importante nesse processo.
É lógico que os fabricantes e comerciantes de armas continuaram tendo lucros astronômicos. Mas os brutais déficits orçamentários dos Estados Unidos indicam que essas guerras causaram enormes prejuízos ao Estado e à sociedade estadunidenses. Será pedir demais, porém, que os belicistas tomem consciência dessa inversão. Portanto, não se pode descartar que os Estados Unidos, cujo foco estratégico está sendo deslocado para a Ásia, fomentem novas aventuras armadas e novos conflitos militares, tornando a situação internacional ainda mais turbulenta e perigosa, assim como aprofundando sua própria crise e as demais crises nacionais e internacionais.
No caso do Brasil, embora ele esteja em condições macroeconômicas relativamente boas para enfrentar as ondas de choque dessas crises, sua pauta econômica, social e política se tornou muito mais complexa.
A questão chave dessa pauta talvez consista em elevar rápida e firmemente as taxas de investimento para aumentar a capacidade industrial e técnico-científica do país. A rigor, o Brasil necessita alcançar taxas de 25% a 30% do PIB para realizar um desenvolvimento sustentável. O que só pode ser feito se contar com investimentos diretos estrangeiros.
Essa dependência de capitais externos para uma industrialização mais rápida e sustentável coloca o país, por outro lado, diante da necessidade de bloquear o fluxo de capitais de curto prazo, incentivar os investimentos externos diretos na produção, estabelecer uma política clara dos setores que devem merecer prioridade nos investimentos e trabalhar no sentido de que tais investimentos abram a possibilidade de estruturar empresas nacionais, privadas e estatais, nesses setores.
Em outras palavras, o Brasil pode se aproveitar da crise internacional para forçar os capitais estrangeiros a investirem fundamentalmente nos setores produtivos e para reforçar a presença de empresas nacionais, em particular nos ramos hoje oligopolizados pelas multinacionais. Há inúmeros mecanismos políticos, econômicos e administrativos que podem induzir os capitais externos a realizarem associações com empresas nacionais, de tal forma que estas ganhem autonomia após algum tempo e constituam um setor industrial nacional.
Essa é a maneira mais segura de reforçar o mercado interno, seja pelo consumo, ampliando consideravelmente o número de trabalhadores industriais e comerciais, seja pela produção, reforçando a presença de capitais brasileiros para ampliar o produto nacional bruto e garantir a permanência de parte do produto interno bruto no país. O que aumenta a capacidade competitiva da verdadeira indústria nacional, aumenta a soberania do país, reduz o poder interno dos monopólios e oligopólios e cria um ambiente propício para a redução de custos e preços.
Este também parece ser o momento histórico mais favorável para resolver a contradição entre uma enorme área territorial aproveitável para a produção agrícola e a existência de alguns milhões de camponeses sem terra. A população brasileira já deu conta de que a reduzida produção de alimentos destinada ao mercado interno, hoje quase totalmente nas costas das unidades agrícolas familiares, é um dos principais fatores de pressão inflacionária.
Portanto, há justificativas de sobra, sociais, econômicas, financeiras e políticas, para assentar rapidamente os dois a três milhões de camponeses sem terra e incorporá-los à produção alimentar, ampliando a seguridade alimentar e reduzindo as pressões inflacionárias, estas devidas à oferta insuficiente de cereais, verduras e legumes.
Por outro lado, é possível continuar aproveitando as vantagens competitivas do agronegócio e sua capacidade de exportação para utilizar os saldos comerciais na importação de bens de capital de novas e altas tecnologias, de modo a adensar as cadeias industriais e utilizar as ciências e tecnologias como novas forças produtivas.
Paralelamente, o quadro complexo da situação internacional, no qual a maioria dos países do mundo tende a desvalorizar suas moedas, através tanto de medidas econômicas quanto administrativas, pode contribuir para o governo brasileiro abandonar a ortodoxia neoliberal do câmbio subordinado às intempéries do dólar e dos juros elevados e adotar uma política de utilização desses mecanismos macroeconômicos como instrumentos de política industrial e tecnológica.
É provável, também que, no campo político, o ano de 2012 assista a um esforço mais consistente da direita para se reorganizar e tomar a iniciativa contra o governo, em especial se der certo sua estratégia de paralisar o governo Dilma através da ação continuada e seqüencial da grande imprensa em torno de casos reais e fictícios de corrupção.
Diante disso, de duas uma. Ou a esquerda no governo estabelece um programa mais claro de luta, que unifique de modo mais consistente seus diversos partidos e correntes, ou ela continua agindo de forma dispersa e sem foco, numa defensiva geralmente inexplicável, que poderá levá-la a ser atropelada pela direita, tanto nas eleições municipais de 2012, quanto nas eleições gerais de 2014.
Questões chaves para essa maior unificação são o crescimento das lutas dos trabalhadores e das camadas populares por melhores condições de renda e de vida, a adoção de uma linha definida de combate, ideológica, política e administrativa, contra a corrupção, os desmandos nos negócios públicos e a morosidade e leniência do judiciário, e a favor do aumento da participação popular no Estado, da regulamentação dos serviços de telecomunicação e da inversão do sistema tributário, de regressivo em progressivo.
Finalmente, mas sem esgotar o assunto, o Brasil certamente terá que continuar se empenhando em reforçar a ação dos países emergentes, seja através da integração sul-americana e de uma atividade coordenada no grupo dos 20, seja através da luta pela regulamentação dos mercados financeiros, pela contenção do poder do setor financeiro e pelo aumento da participação dos países em desenvolvimento no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial.
Para garantir a projeção conquistada no plano internacional, o Brasil precisará manter com firmeza sua política de não ingerência nos assuntos internos dos demais países, de solução das divergências e conflitos através de negociações, de se opor a qualquer ato agressivo e de concentrar esforços na manutenção da paz regional e mundial.
Vista em perspectiva, a crise mundial do capitalismo desenvolvido impôs ao Brasil acelerar todos os projetos mais ou menos delineados desde a ascensão do PT e de Lula ao governo em 2002. Graças a ela, as forças democráticas e populares voltaram a discutir as questões estratégicas do desenvolvimento nacional e da luta de classes.
Portanto, se ela traz em seu bojo ameaças e desafios imponderáveis, também trouxe oportunidades que não se podem desprezar.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
Perspectivas para a Economia em 2012
por Guilherme Costa Delgado
Quarta, 04 de Janeiro de 2012
Abordagens das tendências da produção, do emprego, da inflação, do comércio exterior etc. costumam encabeçar os artigos prospectivos da mídia especializada. Farei esta análise de outra perspectiva, qual seja, a das prováveis causas do desempenho esperado para 2012, que, à primeira vista, parece um ano atípico.
Analisando-se a economia brasileira para o futuro próximo (2012), parece-nos relevante atentar para três vetores chave, no sentido de produção e repartição do excedente econômico: 1) o contexto atual e esperado de inserção externa e da produção de “commodities” da economia brasileira; 2) o nível e o perfil do investimento público programado; 3) o papel da política social de Estado, simultaneamente como vetor de demanda efetiva e de melhoria distributiva.
Outra abordagem conjuntural, a exemplo da já clássica disputa entre o Banco Central (meta de inflação de 4,5% e estimativa de crescimento do PIB de 3,5%) e o Ministério da Fazenda, cuja meta de crescimento fica torno de 5% ao ano, terá que considerar necessariamente o arranjo de economia política (produção e repartição do excedente econômico), que ora pretendo destacar para a conjuntura econômica de 2012.
Situação externa
O ciclo de expansão da economia mundial puxado pelos asiáticos, que já dura mais de uma década, no qual o Brasil se inseriu explicitamente como provedor de “commodities” somente depois da grave crise cambial de 1999, dá sinais de esgotamento. Conquanto se discutam ainda as origens e causas dos fatores provocativos da situação de crise global (zona do Euro, a economia norte-americana ou a própria economia chinesa), o certo é que, para o ano que vem, não se deve esperar o mesmo desempenho exportador em “commodities”. Este desempenho, que o país teve na última década e também em 2011, tem sido, em última instância, a fonte de solvência financeira externa (ingresso de capitais).
Por sua vez, retraindo-se a expansão externa dos primários, pelas mesmas razões causais também se retrairá o ingresso de capitais externos. E como a situação da “Conta Corrente com o Exterior” pioraria nessas circunstâncias, a solvência do seu déficit, persistente desde 2008, possivelmente se daria com a utilização de reservas cambiais.
Em síntese, do ponto de vista externo, o saldo comercial e o investimento externo provavelmente não irão acudir a já histórica situação deficitária da “Conta de Serviços”, que em grande medida reflete a remuneração corrente do capital estrangeiro na economia brasileira. E tampouco se pode descartar a hipótese de saídas líquidas de capital em situações de crise externa.
Investimento público e financiamento da Política Social
Os compromissos em curso com a agenda do PAC-2012, concentrados num determinado perfil de infra-estrutura (energia elétrica, petróleo, obras urbanas de infra-estrutura para a Copa do Mundo), refletirão a maior parcela do investimento público, à qual possivelmente se adicionarão demandas de reequipamento do setor militar, sucessivamente adiado nos últimos 20 anos.
Como todos esses setores apresentam defasagens acumuladas, o perfil do investimento público, que depende de financiamentos do Orçamento da União (a menor parte), ou aquele financiado pelo Orçamento das empresas estatais e das parcerias público-privadas, sofrerá o ônus da desaceleração externa, pelo efeito do encurtamento do investimento direto estrangeiro.
A política social de Estado (Previdência, Saúde, Assistência e Educação principalmente) é um terceiro componente ultra-relevante da política macroeconômica no contexto de crise da demanda efetiva (retração das exportações, do investimento externo e do investimento público), porque permite proteger ramos importantes da produção de bens-salário na economia.
Concentrada como está nos benefícios monetários vinculados ao salário mínimo, ou nas remunerações de um a três salários mínimos (Regime Geral de Previdência Social), o fluxo de pagamentos de benefícios da seguridade social desempenha simultaneamente funções de demanda efetiva e de melhoria no perfil distributivo da renda.
Infelizmente, tanto os investimentos em infra-estrutura quanto as chamadas despesas de custeio corrente da política social correm riscos de redução, postergação, adiamento etc., se prevalecerem os receituários ortodoxos de contenção dos gastos públicos. Mas felizmente não parece ser esta a orientação do Ministério da Fazenda, que, ao que tudo indica, usaria em 2012 a mesma política fiscal utilizada em final de 2008 e no ano de 2009 para defender-se da contaminação da crise externa.
Por outro lado, se a crise externa se caracterizar como estrutural, profunda e duradoura, o receituário de curto prazo de proteção da demanda efetiva revelar-se-á insuficiente. Isso porque uma crise estrutural do sistema capitalista global provoca mudanças estruturais na produção e na demanda mundiais, nova divisão nas especializações regionais e uma grave tendência dos mercados à depressão econômica.
Precisamos estar atentos para esta hipótese, não por apego ao catastrofismo, mas antes pelo contrário. Um plano B para enfrentar a crise externa, que não se restrinja a políticas macroeconômicas de curto prazo, precisaria desde logo ser objeto de conjecturas.
Mudanças de inserção externa, de perfil do investimento em bens públicos e do conjunto da política social certamente ocorrerão de forma não planejada nos próximos anos. Deixadas ao acaso, essas mudanças correm o risco da regressão e do retrocesso. Em tais circunstâncias, é oportuno discutir os novos rumos da inserção externa, do atendimento a necessidades básicas da população e da construção de infra-estrutura de bens públicos, de sorte a ensaiar um padrão de desenvolvimento humano que somente nas crises sistêmicas se pode cogitar seriamente.
Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
