Grupo de mulheres invade área no interior de SP, rende porteiro e arrasa viveiro e campo de milho transgênico
Brás Henrique
Um grupo de mulheres da Via Campesina invadiu na madrugada de ontem uma unidade de pesquisa da empresa Monsanto, localizada em Santa Cruz das Palmeiras, município do interior de São Paulo, na região de Ribeirão Preto. Elas cortaram a cerca, renderam e amarraram o porteiro e depois destruíram um viveiro e o campo experimental de milho transgênico da empresa. Antes de sair, elas picharam as paredes da guarita de entrada com expressões como “mulheres em luta” e “transgênico mata”.
A Monsanto é uma das maiores empresas do mundo na área de biotecnologia, produção e comercialização de sementes. Em fevereiro ela e a Bayer, outra gigante do setor, haviam obtido uma importante vitória no Conselho Nacional de Biossegurança, que, depois de um longo debate, liberou para produção e venda duas variedades de sementes que vinham sendo pesquisadas em campos experimentais. Um deles era o de Santa Cruz das Palmeiras. O protesto das mulheres da Via Campesina, portanto, não foi somente contra a Monsanto. Ele mirou também as autoridades que regulam o setor de biotecnologia.
A Polícia Civil abriu inquérito para investigar o caso. Em nota, a Monsanto, que não permitiu o acesso da imprensa à área de plantio, condenou o ato.
Foi a segunda vez que aquela unidade foi invadida. Em julho de 2001, integrantes do Greenpeace foram até lá e jogaram tinta vermelha na área plantada, afirmando que o cultivo de transgênicos era irregular.
A invasão de ontem, que faz parte de uma jornada de lutas da Via Campesina para lembrar o Dia Internacional da Mulher, ocorreu por volta das três horas. Foi quando as mulheres chegaram à guarita, depois de atravessar um trecho de 50 metros de mato.
“Nosso objetivo é protestar contra a decisão do conselho de ministros que liberou o cultivo de duas variedades de milho transgênico – o que pode trazer várias conseqüências aos pequenos produtores e à reforma agrária do País”, disse em Brasília a coordenadora nacional da Via Campesina e do Movimento dos Sem-terra (MST), Marina dos Santos. “O cultivo dos transgênicos tira a autonomia dos produtores brasileiros, que ficam reféns da Monsanto, que quer dominar o mercado de sementes no mundo.”
A coordenadora do MST também disse que persistem divergências entre os cientistas a respeito do impacto ambiental e os danos à saúde que as sementes transgênicas podem causar: “O Brasil teria de esperar o resultado final desse estudo.”
A Monsanto registrou boletim de ocorrência pela manhã. De acordo com o relato de Marcos Palhares, representante da área de biotecnologia, à polícia, cerca de 40 mulheres teriam invadido a área com paus e foices, danificando em seguida três experimentos e a estufa, deixando bandeiras do MST e da Via Campesina para trás.
DEPENDÊNCIA
A Via Campesina, organização internacional que no Brasil é representada principalmente pelo MST, é contrária à liberação dada pelo conselho de ministros, em fevereiro, para as duas variedades de milho transgênico (a Guardian, da linhagem MON810, da Monsanto, e a Libertlink, da alemã Bayer). Seus líderes vêem no avanço das pesquisas com transgênicos o risco de uma dependência cada vez maior dos produtores rurais diante dos grandes grupos da área da biotecnologia e do agronegócio. De acordo com nota da entidade internacional, “os transgênicos não são simplesmente organismos geneticamente modificados, mas produtos criados em laboratórios que colocam a agricultura nas mãos do mundo financeiro e industrial”.
Folha de sao paulo, 8 de março 08
Via Campesina depreda Monsanto em SP
Sem-terra destroem campo de milho transgênico em protesto contra liberação de duas variedades do grão pelo governo
Multinacional relata em boletim de ocorrência que foi invadida por cerca de 40 pessoas; movimento afirma que eram 300 manifestantes
MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTA CRUZ DAS PALMEIRAS (SP)
Um grupo de manifestantes -na maioria mulheres- ligados à Via Campesina invadiu na madrugada de ontem a unidade de pesquisa da empresa norte-americana Monsanto, em Santa Cruz das Palmeiras (244 km de São Paulo), e destruiu um viveiro e um campo experimental de milho transgênico.
A Monsanto registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil da cidade, no qual relatou que um vigia da empresa, que estava na guarita, foi rendido e ficou amarrado durante 40 minutos. Ninguém ficou ferido.
No boletim, a empresa registrou que foi invadida por cerca de 40 pessoas. No entanto, um funcionário disse à Folha que foram cerca de cem pessoas. Já a direção nacional do movimento afirmou que 300 pessoas participaram da invasão.
A Polícia Civil abriu inquérito para apurar os crimes de dano ao patrimônio e de cárcere privado. Segundo o boletim de ocorrência, antes de amarrar o vigia, os manifestantes o renderam "com foices e paus".
Em 2001, o Greenpeace já havia realizado um protesto nessa mesma área contra o plantio de milho geneticamente modificado. Na ocasião, os ativistas cercaram uma plantação experimental e coloriram as sementes com tinta atóxica.
Na terça-feira, 69 pessoas ligadas à Via Campesina ficaram feridas durante reintegração de posse feita pela PM em fazenda da multinacional Stora Enso em Rosário do Sul (RS).
Ontem, os manifestantes chegaram por volta das 3h e derrubaram parte de um alambrado que dá acesso à empresa. Em seguida, destruíram o viveiro e o campo experimental. A ação durou cerca de uma hora. Quando a PM chegou, não havia mais ninguém no local.
A Via Campesina disse que o objetivo era protestar contra a liberação de duas variedades de milho transgênico pelo Conselho Nacional de Biossegurança. Segundo nota do movimento, "o governo Lula cedeu às pressões das empresas do agronegócio e liberou, em fevereiro, o plantio e comercialização das variedades Guardian (da linhagem MON810 da Monsanto) e Libertlink (da alemã Bayer)".
A invasão faz parte da Jornada Nacional de Lutas da Via Campesina. Uma guarita da empresa foi pichada com dizeres "Mulheres em luta", "Fora Monsanto", "MST" e "Movimento Via Campesina".
"O objetivo foi protestar contra a decisão do Brasil de produzir milho transgênico. Não existe nenhum estudo conclusivo que diga se tem ou não tem problemas para a saúde e para o ambiente", disse uma das coordenadoras da Via Campesina, Marina dos Santos.
Multinacional condena ação dos sem-terra
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTA CRUZ DAS PALMEIRAS
A Monsanto divulgou nota ontem condenando a invasão: "A Monsanto condena veementemente atos ilegais como este, inclusive desrespeitando recentes decisões do Poder Judiciário", diz. "A empresa acredita que, num regime democrático, como o que vivemos, discordâncias -ideológicas ou não- devem ser expressas por meio dos caminhos legais e de livre forma de expressão e não por meio de atentados aos indivíduos e à propriedade privada."
Segundo a Monsanto, "a biotecnologia é uma tecnologia que contribui para uma agricultura sustentável e com menor uso de agroquímicos", e foi "aprovada no Brasil com pareceres conclusivos (técnicos e socioeconômicos) emitidos pelos órgãos federais competentes". A empresa diz que "o segmento de pequenos agricultores é um dos que mais poderia se beneficiar da biotecnologia como já têm demonstrado os exemplos no Brasil e no exterior".
