NOTÍCIAS DO DIA (em áudio e texto):
- O massacre continua: reportagem especial dos 10 anos de Eldorado dos Carajás
- Dia 17 de abril é marcado por protestos no Brasil
- Para MST, governo Lula faz "contra-reforma agrária" no Pará
- MST marcha até STF para pedir justiça em Carajás
- Agronegócio no PA patrocina desastre ecológico e social, diz Stedile
O massacre continua: reportagem especial dos 10 anos de Eldorado dos Carajás
Dia 17 de abril de 1996. Cidade de Eldorado dos Carajás, no Pará. Operação da Polícia Militar mata 19 e trabalhadores rurais sem terra deixa 69 feridos para pôr fim em
bloqueio de rodovia. Dez anos depois 144 policiais incriminados foram absolvidos e apenas dois comandantes condenados. Nenhum deles está preso.
"Falar do massacre e não falar dos mutilados é não falar do massacre. Aconteceu o massacre, mas ficamos aqui um monte de mutilados, viúvas... Ninguém procurou saber de
nada... Começamos a nos arrastar pela vida".
Antônio Alves de Oliveira, o Índio, de 46 anos, é um dos coordenadores do grupo de mutilados do Assentamento 17 de Abril, onde vivem as 690 famílias que conquistaram a
terra logo após o Massacre de Eldorado dos Carajás. Ele levou tiros no calcanhar, joelho e perna, e ainda está com duas balas alojadas.Perna de Domingos da Conceição com várias
marcas de tiros
Reconstruir a vida depois da chacina foi uma tarefa difícil, para ele e para tantas outras pessoas que estavam presentes na curva do "S", local onde ocorreram os
assassinatos. Das 69 pessoas que ficaram gravemente feridas, apenas 20 conseguiram cumprir com a burocracia para entrarem, em 1998, com uma ação de indenização por danos
morais e materiais contra o estado.
Apenas em outubro de 1999 a Justiça concedeu uma tutela antecipada determinando que o estado oferecesse toda a assistência médica, inclusive psicológica, como conta o advogado
do grupo dos mutilados, Walmir Brelaz. "Infelizmente esta decisão judicial nunca foi cumprida como deveria. Tanto que não foi cumprida, nós tivemos que fazer dois acordos com
o estado para cumprir aquela decisão. Ainda assim, o estado não deu o tratamento médico como está determinado pela lei", afirma.
Negligência e descaso
Para Carlos Guedes, advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no caso, houve claramente o que é padrão em termos de situação fundiária do Pará: a
desconexão entre a teoria e a prática. "O drama que as pessoas vivenciam hoje e as seqüelas físicas realmente são todos decorrentes dos ferimentos. Mas foram agravadas e
tornadas irreversíveis em função da negligência do governo estadual na assistência médica, isso fora, a assistência psicológica que não existiu", diz.
José Carlos Agarito: bala alojada na cabeça / Foto: Beatriz PasqualinoE são muitos exemplos. Balas alojadas, perda de audição, destruição de ossos, dores de cabeça. Além do
trauma psicológico que estas pessoas possuem. Relembrar o dia é viver de novo.
"Eu fui tirando as balas aos poucos, até hoje tenho três ainda" (Avelino Germiniano, 51 anos)
"Meu ouvido sangra, sai um pus verde....." (José Carlos Agarito, 28 anos)
"Ele me atirou na perna. Aí eu falei para ele, olha com tanto amor que eu estou pedindo para vocês que não mate gente, que a gente não quer guerra. A gente que terra para
trabalhar. Você até me feriu" (José Sebastião de Oliveira, 57 anos)
Procurada pela *Agência Notícias do Planalto*, o secretário-executivo de Saúde Pública do Estado do Pará, Dr. Fernando Agostinho Cruz Dourado, encaminhou a nossa equipe para
conversar com o diretor responsável pela unidade de saúde do município de Tucuruí, o Dr. José Maria. Ele nos assegurou que é prestado todo o atendimento solicitado pelos
pacientes. "Nos foi passada a missão de atender os seqüelados do Massacre de Eldorado dos Carajás no que concernia ao nexo causal. Ou seja, tratar o que fosse decorrente do
incidente, correto? Mas nós não preocupamos com isso. Nós contemplamos todos os pacientes com todos os atendimentos necessários", garante.
O coordenador do grupo dos mutilados, Antônio Índio tem outra opinião sobre o tratamento médico oferecido pelo estado. "Veio um maldito de um tratamento que é uma miséria. Umas
consultas bobas que só diagnostica verme. Todos exames, por mais que haja uma bala no corpo das pessoas, eles dão remédio de verme. Quem teve seqüela vai ficar assim. Vai
morrer assim. O estado alega que dá tratamento, fala na mídia que dá, mas na verdade não dá nenhum tratamento. Se existisse não teria camarada com bala no corpo e problemas
sérios", afirma.
Dez anos sem indenização
O descaso público com estas pessoas não é diferente do tratamento dado às viúvas e órfãos das vítimas fatais do massacre. Até hoje eles aguardam as indenizações.
Uma das treze viúvas, Maria Alice de Souza, de 42 anos, que perdeu o marido Joaquim Pereira Veras, morto com dois tiros no peito, até hoje não entende quem provocou o
massacre e por quê. "Não sei. Quem fez foi a polícia, governo, fazendeiro...ninguém gosta de sem-terra. Todo mundo tem raiva", explica.
Hoje Maria Alice e outras conquistaram suas terras, mas algumas se encontram sem condições de trabalhar devido à idade e as dificuldades se agravam ano após ano. Raimunda
Almeida e seu filho Leandro / Foto: Nina FidelesComo conta Dona Raimunda da Conceição Almeida, de 62 anos, viúva de Leonardo Batista Almeida, morto com um tiro na cabeça. "Não
estou passando bem, me alimentando bem porque não posso. Mas estamos conseguindo. Não é bom, mas estamos comendo. Quero justiça". Elas pouco falam, mas carregam um sofrimento
muito grande e uma vontade imensa de se ver fazer a justiça.
Até hoje nenhuma indenização pelo estado foi paga. Nem para as viúvas e nem para os mutilados. Segundo o advogado Walmir Brelaz, o valor inicial das indenizações que ainda
tramitam na justiça foi reduzidos em 100%. "Eles estão vivendo no completo abandono. Como eles dizem, o massacre ainda continua. Porque a partir daquele momento a vida deles só
piorou, cada vez mais", afirma.
Depoimento de sobrevivente
Família de José Carlos Agarito / Foto: Beatriz Pasqualino* Meu nome é José Carlos Agarito Moreira. Eu sou sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás, de 1996. Espero um dia
aconteça um julgamento e que eles sejam presos. Estamos aí sem trabalhar. Sou surdo, estou com a bala alojada na cabeça ainda. Se tudo der certo, vou receber a indenização.
Se eu não receber, meus filhos recebem, meus netos. E estamos na luta.
Dia 17 de abril é marcado por protestos no Brasil *
Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), esta segunda-feira (17) será de protestos em todo o país. Neste mesmo dia, há 10 anos, 19 agricultores foram
brutalmente assassinados pela Polícia Militar do Pará, numa ação para desbloqueio da rodovia PA-150. No estado, desde o dia três de abril, o Movimento está promovendo um
acampamento pedagógico, na Curva do "S" (trecho onde ocorreu o Massacre). O acampamento se encerra nesta segunda-feira, com um grande ato para pedir justiça. São esperadas
aproximadamente 20 mil pessoas, entre agricultores, artistas e personalidades.O dia 17 de abril foi instituído pela Via Campesina (entidade que reúne organizações do
campo de todo o mundo) como Dia Internacional da Luta Camponesa.De acordo com o MST, uma marcha sairá deste local em direção à sede do governo do Estado
(Palácio dos Despachos) para fazer a entrega do prêmio "10 anos de impunidade" ao governador Simão Jatene. Embora, o crime tenha ganhado destaque nacional e internacional,
ninguém está preso por sua autoria.
Segundo dados da Igreja Católica, apenas 7% dos crimes ocorridos no campo entre 1985 e 2004 foram a julgamento.Nesse período, ocorreram 1.043 crimes motivados por conflitos
fundiários, com um saldo de 1.399 assassinatos - a maioria deles de trabalhadores rurais. De acordo com um levantamento da CPT (Comissão Pastoral da Terra), apenas 77 desses casos
foram julgados até hoje.
(Para ouvir a matéria <http://www.noticiasdoplanalto.net/images/stories/notplan/mp3/2006/marco/08032006faoconclusao.mp3>/clique aqui/ <http://www.noticiasdoplanalto.net/images/stories/notplan/mp3/2006/marco/17042006carajasprotestos.mp3>/ - /1´41´´ / 397 Kb //
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Para MST, governo Lula faz "contra-reforma agrária" no Pará
A maioria dos projetos de assentamentos rurais da atual gestão do governo federal situa-se na Região Amazônica. Para o integrante da direção nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, o modelo de reforma agrária colocado em prática pelo Brasil é conseqüência do benefício que o país concede ao
agronegócio, sobretudo na região do sul do Pará. Segundo o MST, o processo gerou encarecimento das terras agricultáveis no estado, sendo que milhares de famílias ainda
esperam por reforma agrária debaixo de lonas pretas no estado.
"Nesses três anos do governo Lula, nós temos aqui do MST mais de 2.500 famílias acampadas e outras mil famílias em situação precárias como essa. Então, temos pessoas esperando
debaixo do barraco mais de 3.500 famílias e com essa imensidão de terra disponível. No entanto, o Incra [Instituto de Colonização e Reforma Agrária] em três anos assentou nessa
região só 35 famílias do MST. Ou seja, uma contra-reforma agrária".Segundo o governo, foram assentadas 36 mil famílias em todo Brasil, em 2003, e 81 mil, em
2004. No entanto, estudos como o do professor da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, o número de famílias assentadas no período não passa de
44 mil. Além disso, pesquisas apontam que no ano passado, 25% das famílias foram assentadas em terras desapropriadas, sendo que o restante foi realocado em antigos
projetos que estavam abandonados, ou em propriedades da União, sobretudo na Região Amazônica.
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MST marcha até STF para pedir justiça em Carajás
Para homenagear as vítimas do Massacre de Eldorado dos Carajás e protestar contra os dez anos de impunidade, a Câmara Federal em Brasília realizou nesta segunda-feira (17) sessão
solene com a presença de parlamentares e cerca de 200 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A abertura da sessão foi feita pelo deputado Adão
Preto (PT/RS) que apontou a impunidade como um dos fatores principais na violência no campo.
Marina Santos, da coordenação nacional do MST, se pronunciou em plenário e responsabilizou o modelo econômico neoliberal, o agronegócio e o latifúndio como os
principais responsáveis pela morte e miséria no país. Após a sessão solene, os manifestantes marcharam até o Supremo Tribunal Federal (STF) para um ato simbólico em
frente ao edifício. Elmano de Freitas, advogado do Movimento, explica quais os objetivos da mobilização.
"Nossa intenção com a manifestação é chamar a atenção do Poder Judiciário e da sociedade brasileira a situação que vivenciamos, seja pela extrema rapidez com que age para prender
criminalizar dirigentes de movimentos sociais e ao mesmo tempo pela extrema ineficácia quando se fala ou se tem situação quando se é necessária a punição de pistoleiros ou
fazendeiros mandantes da morte de militantes da luta pela reforma agrária". O Massacre de Eldorado dos Carajás aconteceu na cidade de mesmo nome no sul do Pará e
deixou 19 mortos e 69 mutilados pela Polícia Militar. As pessoas feridas no crime denunciam que não são atendidas com assistência médica e nem receberam as indenizações.
(Para ouvir a matéria //clique aqui / <http://www.noticiasdoplanalto.net/images/stories/notplan/mp3/2006/abril/100406ednaldo.mp3>/- /1´43´´ / 403 Kb //
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Agronegócio no PA patrocina desastre ecológico e social, diz Stedile
Após 10 anos do assassinato de 19 agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no episódio conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás (PA), a reforma
agrária na região norte do país não avança. Esta é a opinião de João Pedro Stedile, da direção nacional do MST. Para ele, o estado onde ocorreu a chacina está patrocinando um
desastre ecológico e social ao priorizar o agronegócio da região, em detrimento da agricultura familiar.
"O modelo de reforma agrária daqui deve, em primeiro lugar, respeitar a floresta nativa. E vamos priorizar a desapropriação desses grandes latifúndios que existem na região e que
ainda são os resquícios da época da ditadura em que os fazendeiros grilavam imensas áreas, tomavam de índios, cooptavam os institutos de terra estadual, que é mais fácil do
que o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], e formaram grande fazendas. Eu pergunto: é razoável numa sociedade uma só família de paulistas que nem se
quer vivem aqui, controlar nessa região 200 mil hectares pra criar boi, e levar essa carne pra São Paulo e exportar, sem que fique um centavo de riqueza em beneficio dessa
população?".
O Incra afirma ter assentado 41 mil famílias sem-terra só no ano passado. Desde 2003 são 65 mil. Mas de todas essas famílias, o MST afirma que menos de 70 são do movimento.
Outras 140 mil ligadas ao movimento continuam em barracos de lona. Segundo Stedile, é preciso desapropriar os latifúndios que não cumprem sua função social de desenvolvimento
na região. Para o MST, a maioria das grandes propriedades do Pará descumpre a legislação ambiental, além de acumularem denúncia de trabalho escravo. Segundo dados do governo
federal, foram resgatados da escravidão cerca de 13 mil trabalhadores no estado do Pará desde 1997.
/(Para ouvir a matéria //clique aqui / <http://www.noticiasdoplanalto.net/images/stories/notplan/mp3/2006/abril/170406reformaagraria.mp3>/- /1´53´´ / 443 Kb //
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