Assassinado trabalhador do MST + Ruralistas atropelam CPMI da Terra

Plenário da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra recusou
parecer original e aprovou relatório final alternativo do deputado Abelardo
Lupion (PFL-PR), que propõe a criminalização dos movimentos sociais como
terroristas.
Maurício Hashizume

Integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) de Alagoas, Jaelson Melquíades, de 24 anos, foi
assassinado nesta terça-feira (29) por dois pistoleiros no centro de
formação do assentamento São Pedro, no município de Atalaia, zona da mata
do Estado. Há cerca de um mês, outros três sem-terra – Hanilton Martins,
Antonio José dos Santos e Luiz Manuel – tombaram pela ação de criminosos em
Pernambuco. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), 39 trabalhadores
rurais morreram como vítimas de conflitos agrários em 2005.

Distante cerca de dois mil quilômetros do local do crime, membros da
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra aprovaram no Congresso
Nacional, também nesta terça-feira (29), o relatório final do deputado
Abelardo Lupion (PFL-PR), apresentado em substituição ao relatório original
de autoria do deputado João Alfredo (PSOL-CE).

O parecer aprovado ignora a ocorrência de 1,5 mil mortes no campo nos
últimos 20 anos, silencia sobre a existência de trabalho escravo no País, não trata
da ação de milícias armadas de pistoleiros contratados por fazendeiros,
desconhece o problema da grilagem de terra e desvia o foco da concentração
fundiária, um dos principais sustentáculos do quadro da desigualdade social
no Brasil.

E além de pedir indiciamento de um dirigente e um ex-dirigente da Associação
Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) e outro da Confederação de
Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab) por desvio de recursos
públicos ? ainda que os processos que envolvem os acusados ainda estejam
ainda em fase preliminar de análise no Tribunal de Contas da União (TCU) -,
o texto final da CPMI traz, em anexo, dois projetos de lei com o intuito de
criminalizar a ação das organizações de trabalhadores e trabalhadoras
rurais.

Um deles visa dar conotação jurídica de ato terrorista às ocupações de
terra praticadas por diversos movimentos camponeses para protestar pela
realização da reforma agrária. O outro propõe que o esbulho possessório
(definido no texto como saque, invasão, depredação ou incêndio de
propriedade alheia) com fins políticos (com o fim de manifestar
inconformismo político ou de pressionar o governo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa)
seja enquadrado como crime hediondo (pena de reclusão de três a dez anos).
Os projeto ainda serão devidamente avaliados na Câmara e no Senado.
"O setor produtivo está cansado de ser invadido, de sofrer com a
insegurança", comemorou Lupion. "Nós não poderíamos ter feito nenhum
acordo. Passaríamos por fracos", emendou. De acordo com ele, a CPMI obteve
êxito porque conseguiu "detectar os desmandos que existem no contexto da
violência no campo".

O relatório do parlamentar da bancada ruralista foi aprovado por 12 votos a
um na comissão. Para que o relatório vencedor pudesse ter sido apreciado na
mesma 45a sessão da CPMI da Terra, entretanto, a comissão teve antes que
rechaçar o relatório do deputado João Alfredo. O parecer do deputado do PSOL
foi derrotado por 13 votos – senadores: Gilberto Goellner (PFL-MT), César
Borges (PFL-BA), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Wellington Salgado (PSDB-MG),
Juvêncio da Fonseca (PSDB-MS), Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), e deputados:
Abelardo Lupion (PFL-PR), Onyx Lorenzoni (PFL-RS), Moacir Micheletto
(PMDB-PR), Max Rosenmann (PMDB-PR), Xico Graziano (PSDB-SP), Luiz Carlos Heinze
(PP-RS), Josué Bengston (PTB-PA)  a oito senadores Eduardo Suplicy (PT-SP),
Sibá Machado (PT-AC) e Valdir Raupp (PMDB-RO), senadora Ana Júlia Carepa
(PT-PA), deputados Zé Geraldo (PT-PA), Jamil Murad (PCdoB-SP) e Adão Pretto
(PT-RS) e Luci Choinacki (PT-SC). Houve abstenção do senador Garibaldi Alves
(PMDB-RN). O senador Pedro Simon (PMDB-RS) justificou sua ausência por
motivos de saúde e os deputados da vaga do PL não registraram presença.

Logo depois que o parecer de 800 páginas de João Alfredo caiu, os
parlamentares que foram derrotados  "inclusive o próprio relator – deixaram
o no plenário da comissão. A senadora Ana Júlia chegou aos gritos:
"não serei cúmplice de assassinatos" – até a rasgar o relatório de
Lupion. O deputado Jamil Murad, por sua vez, classificou a proposta do
colega pefelista do Paraná de "relatório do ódio", que tem como objetivo manter
a impunidade e acabar com aqueles que lutam por justiça social no Brasil.

"O relatório aprovado incrimina as vítimas, impede a reforma agrária e
desconhece a realidade do campo brasileiro", resumiu Alfredo. "Fizemos o
que era para ser feito: o diagnóstico da situação fundiária brasileira, a
análise dos processos de reforma agrária, das organizações do campo. O
relatório alternativo proposto é a antítese do nosso e sequer cumpre os
objetivos desta CPMI; não valorizou as visitas aos Estados, não reconhece os
problemas fundiários nem apresenta propostas para resolvê-los. É um
retrocesso de cem anos". O que texto final aprovado na comissão, na
interpretação dele, "santifica o latifúndio e sacramenta a propriedade
privada acima de tudo".

Alfredo atribuiu o resultado da votação à "sobre-representação" dos
ruralistas na comissão "que não corresponde à composição da
sociedade". Para o presidente da CPMI, senador Álvaro Dias (PSDB-PR),
porém, a CPMI "acolheu a tendência existente na sociedade brasileira".
Segundo ele, a criminalização pode, sim, ajudar na repressão a atos
ilícitos no meio rural, mas o relatório aprovado de autoria do deputado
Lupion não é o ideal. Por isso, o senador se comprometeu a também encaminhar
o relatório do deputado João Alfredo, com suas respectivas recomendações,
às autoridades competentes.

Supressões de última hora

Depois da ratificação do relatório de Lupion, o plenário da comissão acatou
algumas emendas propostas pela senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) e pelos
senadores Eduardo Suplicy e Valdir Raupp. Este último, discretamente, aliás,
pediu aos pares um relatório "mais leve para a sociedade brasileira". A
aprovação das emendas retirou: a recomendação de suspensão imediata do
repasse de recursos federais aos convênios firmados com a Anca, a Concrab e
Iterra; a solicitação de encaminhamento de cópia dos documentos para outra
comissão parlamentar de inquérito (CPI) que sequer foi instalada na Câmara
dos Deputados; e o pedido de indiciamento de cinco lideranças do Movimentos
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): João Pedro Stédile, Gilmar Mauro,
João Paulo Rodrigues, José Rainha Júnior e Jaime Amorim.

"O MST, todos nós sabemos, é uma grande quadrilha, só que nós não
tínhamos provas [contra as lideranças citadas]. Achamos por bem atender o
pedido da senadora Heloísa Helena e do senador Suplicy", comentou Lupion
depois do encerramento da sessão.

Em nota, o MST ressaltou que a "Casa que deveria ser representação do povo
brasileiro demonstra mais uma vez continua sendo instrumento de defesa dos
poderosos de nosso país, que resistem à realização da Reforma Agrária".
O movimento manifestou repúdio às posições apresentadas no relatório
aprovado e reafirmou seu compromisso de continuar sua luta para que mais de
quatro milhões de famílias tenham acesso à terra. Nunca é demais lembrar
que 1,6% dos proprietários com imóveis acima de mil hectares possuem 46,8%
da área total existente no País.