11/02/2005
Por Daniel Antiquera
Fonte Jornal Brasil de Fato
O Rio Grande do Sul foi o berço, na década de 70, da expansão da soja para o resto do país. Mais de 30 anos depois, nesse mesmo estado começa a se estruturar o movimento de resistência aos efeitos danosos do crescimento descontrolado da produção da semente. Durante o 5º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, organizações dos quatro cantos do país se reuniram para compartilhar experiências e traçar estratégias comuns para resistir ao poder do agronegócio.
Mais de 60 movimentos sociais e entidades se juntaram no grupo Articulação Soja Brasil, para tentar conter a devastação ambiental que a trilha da soja deixa para trás. O grupo é fruto de movimentos antigos, que combateram projetos de transposição de rios, implantados para reforçar a infra-estrutura para a produção da semente, mas que representavam sérios danos naturais.
A articulação dos movimentos pretende estabelecer pautas comuns, como a luta contra os transgênicos, pela contenção do desmatamento, contra a concentração da atividade por grandes aglomerados econômicos, em proteção dos pequenos produtores, pela manutenção da biodiversidade e em respeito à legislação vigente, já que boa parte da produção se sustenta em práticas ilegais.
São trágicas as conseqüências do crescimento sem controle da soja no país. Rony Silveira, estudante de Belterra (PA), foi a Porto Alegre procurar reforços para a luta contra a força das empresas produtoras. "A produção de soja na minha cidade trouxe impactos ambientais tão fortes que o clima da região já mudou bastante: está mais quente e seco", diz. "O problema é que não conseguimos influenciar as autoridades locais, vinculadas aos grandes grupos econômicos", complementa, preocupado.
Risco em área indígena
Segundo Judson Barros, presidente da Fundação Águas do Piauí, a chegada ao Estado da maior empresa do setor, a multinacional Bunge, foi responsável pelo desmatamento de 50% da cobertura vegetal original. A empresa também usa, para secagem da soja, a lenha do cerrado, com graves impactos ambientais e superexploração da mão-de-obra. O cortador de lenha ganha entre R$ 0,50 e R$ 0,80 centavos por estéreo (feixe de madeira com um metro cúbico), enquanto a mesma quantidade é vendida a R$ 27. Há ainda diversas denúncias de trabalho escravo sendo apuradas em duas ações promovidas pelo Ministério Público. "No Piauí, 12 ou 13 produtores são responsáveis por 600 mil toneladas de soja. Aqui não existe agricultura familiar", denuncia.
O Parque Indígena do Xingu (MT) sofre as conseqüências mesmo sem produção em seu interior. O Instituto Socioambiental (ISA) trabalha há 10 anos na região, fazendo o monitoramento das fronteiras do parque. A agricultura no entorno, desrespeitando a legislação ambiental, prejudica as nascentes dos rios que atravessam as terras indígenas.
"O desmatamento acelerado está gerando perda na qualidade da água, levando sujeira e agrotóxicos para dentro do Parque do Xingu e assoreamento das margens dos rios. Estes problemas acabam por afetar, também, a fauna e a flora da região", descreve Adriana Ramos, coordenadora de políticas públicas do ISA.
Diante da gravidade da situação, entidades locais e movimentos sociais se uniram para realizar, dias 25 a 27 de outubro de 2004, o Encontro Nascentes do Rio Xingu, em Canarana (MT). Na ocasião, foi lançada campanha pela proteção e recuperação das matas ciliares e dos recursos hídricos de toda a bacia do rio Xingu. A idéia é criar um grupo envolvendo todos os setores afetados pelos problemas ambientais causados pela expansão da agricultura na região: índios (kaiapó, paraná e xavante), assentados e até mesmo fazendeiros. Agora eles se juntam na articulação contra a soja.
Poder do agronegócio
O combate, porém, não é fácil. O Brasil é o maior exportador de soja do mundo. Segundo Maurício Galinkin, da Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural (Cebrac), a produção, que ocupava 10 milhões de hectares em 1993, hoje está em cerca de 22 milhões de hectares, o que equivale a cinco vezes o tamanho do Rio Janeiro.
"O agronegócio brasileiro, incluindo produção, agrotóxicos e maquinaria, é responsável por 42% das exportações brasileiras e por cerca de um terço do PIB nacional, mas emprega menos de um terço dos trabalhadores na agricultura", acusa Galinkin. Os outros dois terços dos 17,7 milhões de trabalhadores se encontram em empreen-dimentos de agricultura familiar. Para se ter uma idéia, em 2003, enquanto o PIB brasileiro decresceu 0,2%, o PIB do agronegócio cresceu 5%.
Dívida versus fome
Com essas estatísticas, a soja se tornou heroína nacional do modelo econômico brasileiro, voltado quase que inteiramente para as ex-portações, com o objetivo de gerar divisas e pagar dívidas. Em 2001, o presidente FHC bradou "exportar ou morrer". E parece que o governo Lula segue os mesmos passos de seu antecessor. "O governo Lula elegeu três prioridades: crescer, crescer e crescer. Mas é preciso entender que o crescimento não pode ser um valor. Deve ser um instrumento do desenvolvimento", defende o economista Ricardo Abramovay, da USP.
Abramovay critica o modelo econômico brasileiro. Ele cita pesquisas que demonstram que, quanto maior a concentração de renda, menor a capacidade de o crescimento funcionar como fator de combate à pobreza. "Além disso, os recursos naturais estão sendo apropriados de maneira ilegal. O setor de ponta do agronegócio apóia-se em relações de trabalho incompatíveis com uma sociedade civilizada. Os movimentos sociais precisam interferir", complementa o professor. (Colaborou Luís Brasilino)
